Passada a fase de aprendizado com as ocupações em São Paulo e no Rio de Janeiro, os alunos que tomaram quatro escolas de Caxias do Sul na última semana em apoio à greve dos professores começam a construir sua própria história. Descolados de partidos e com um discurso de ruptura com a política tradicional, eles querem mostrar que podem mudar o mundo de forma autêntica. Pelo menos, o mundo próximo a eles.
Para isso, utilizam o movimento iniciado nas duas maiores cidades do país como "laboratório", conversam com pessoas que foram até as capitais do Sudeste, mantêm contato permanente com os "intermediários" – militantes de movimentos sociais como o Bloco de Luta pelo Transporte Público – e agem sob orientação do Cpers/Sindicato e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).
Leia mais:
Desanimados, somente 6% dos professores de Caxias aderem à greve
Ratos, 33 centavos e descaso: por que alunos ocupam escolas em Caxias do Sul
O que está por trás das ocupações dos alunos nas escolas do RS
É nos grêmios estudantis dos colégios que as jovens lideranças despontam. Uma delas é Leonardo Cechin, 17 anos, do Instituto Estadual Cristóvão de Mendoza, no bairro Cinquentenário, ocupado por 25 jovens.
– Vimos o que está rolando no país inteiro. Sempre tivemos vontade semelhante, por mais que não fosse expressado muito. Então, quando Geraldo Alckmin (governador paulista) foi derrotado (na proposta de reformar o ensino e fechar quase 100 unidades de ensino), era a prova que dá para fazer – afirma ele.
O impulso veio com a ocupação do Colégio Estadual Coronel Afonso Emílio Massot, em Porto Alegre, no dia 11 de maio. Uma semana depois, em Caxias, o Professor Apolinário Alves dos Santos, no Sagrada Família, e o Henrique Emílio Meyer, no Exposição, seguiram o mesmo caminho, acompanhados pelo Cristóvão de Mendoza e Cavalheiro Aristides Germani, no bairro Rio Branco.
Apesar de espontâneo, o movimento segue diretrizes básicas: as ações são decididas por maioria em assembleias, e é preciso buscar o diálogo com a direção da escola. Eles garantem que partidos não são bem-vindos.
– Não temos de entrar nos méritos deles. Queremos mudança, que a educação seja vista com outros olhos. Não somos massa de manobra – diz Estela Balardin, 16 anos.
WhatsApp e regras claras
Um dos principais instrumentos de mobilização dos estudantes é o WhatsApp. Por meio do aplicativo, eles criam grupos, motivam colegas, combinam os atos e determinam o que pode e o que não pode fazer. Depois de ocupar, é necessário cuidar do espaço de forma organizada. Supervisionados por professores e liberados pelos pais, eles criam comissões de segurança, alimentação, comunicação e limpeza.
Durante a madrugada, os alunos se revezam em rondas e, se notarem movimentos suspeitos, acionam os demais, que têm uma lista de telefones emergenciais. Atos sexuais e consumo de cigarro, drogas e bebidas alcoólicas estão proibidos. Meninos dormem em uma sala, meninas em outra. Todos têm de acordar no mesmo horário. Nenhum incidente foi registrado até o momento, a despeito de alguns pais verem, por exemplo, o Emílio Meyer como um cenário de guerra, e de o Cristóvão de Mendoza ter limitado o acesso ao refeitório.
– Quando analisamos isso tudo, sempre pensamos que alguém está por trás. Agora que estamos vivenciando, compreendemos que são os próprios jovens lutando por protagonismo. Alguns têm liderança nata. A gente subestima a capacidade deles – avalia a historiadora Roseli Vergozza, que participa da greve dos professores.
Na pauta, além de exigências como o fim do parcelamento dos salários dos docentes e maior investimento em educação, há itens específicos para cada escola – a maioria pede reformas estruturais.
– A principal diferença de agora para os protestos de 2013 é que as reivindicações são concretas. Não acredito que essa galera vai se deixar levar por estruturas partidárias – comenta o vice-presidente do Conselho Municipal de Juventude de Caxias, Iuri Martins.
Em assembleia no último sábado na Universidade de Caxias do Sul (UCS), os adolescentes optaram por levar em frente novas ocupações. Eles planejam escrever uma carta aberta para a comunidade explicando suas motivações e objetivos, e também gravar um vídeo. Na quarta-feira, às 10h, farão um manifesto na Praça Dante Alighieri.
– Se chegamos ao ponto de ocupar, não vamos sair por nada. Queremos respostas e garantias – promete Leonardo Cechin.