Ao divulgar a revisão da meta fiscal para 2016, com a projeção de déficit de R$ 170,5 bilhões nas contas da União, o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, confirmou, na última sexta-feira, o que analistas de mercado já vinham alertando com frequência: o problema nas finanças públicas no país é maior do que o estimado dois meses atrás pelo governo Dilma Rousseff. Propostas para tentar diminuir, ao menos em parte, o rombo, serão anunciadas nesta terça-feira.
Com dificuldade de cortar despesas, especialistas estimam que o fôlego deva chegar por meio de aumento de tributos. A equipe econômica do governo do presidente interino Michel Temer tem evitado falar em alta de impostos, mas não nega que essa possa ser uma alternativa a curto prazo.
Três deles estão na mira. Além da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) _ medida de maior impacto na arrecadação federal _, não estão descartados taxação de lucros e dividendos e aumento na Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) da gasolina. As duas têm menor repercussão nas contas do governo, mas poupariam camadas mais pobres de um tarifaço.
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– Com um déficit dessa magnitude é difícil não falar em aumento de imposto, por mais que politicamente haja um custo. Com a recessão profunda que atravessamos, é impraticável sair cortando despesas. Sem contar que o orçamento federal é bastante engessado. Impede redução brusca de gastos – afirma Alexandre Espírito Santo, economista da Órama Investimentos.
Propostas para o retorno da CPMF e a taxação de lucros e dividendos já circulam pelo Congresso desde o ano passado, mas, com o acirramento da crise política entre Executivo e Legislativo, ambas seguem paralisadas. A estimativa é de que, se aprovado, o "imposto do cheque" renda até R$ 80 bilhões aos cofres públicos. A taxação de lucros e dividendos em 15%, outros R$ 12 bilhões. A Cide, que depende apenas da caneta do presidente interino, geraria receita extra de R$ 15 bilhões _ se mantido o plano de aumentar a cobrança de R$ 0,10 para R$ 0,60 por litro de gasolina.
– Projetos para elevar a arrecadação já estão na mesa. A dúvida do mercado é se haverá manutenção das propostas que estão aí ou se serão ajustados para fazer frente a uma perspectiva de déficit maior. No caso da CPMF, pode ser até uma alíquota maior que 0,38% – estima João Ricardo Costa Filho, economista da Pezco Mycroanalysis.
A redução em R$ 21,2 bilhões do contingenciamento de R$ 44 bilhões previsto pela gestão Dilma reforça a dificuldade do governo em diminuir despesas. Quase 80% dos gastos previstos no orçamento de 2016 são despesas obrigatórias. O Planalto não tem a opção de deixar de realizar o pagamento, a menos que as leis que regem as despesas sejam alteradas.
– O governo já anunciou redução de 4 mil vagas no serviço público, mas não sabe quanto vai economizar. Vai precisar apresentar propostas mais claras – afirma Raul Velloso, especialista em finanças públicas.
ARRECADAÇÃO X DESPESAS
Nem sempre a meta fiscal projetada pelo governo no início do ano se confirma. Confira a economia projetada pelo Planalto e o resultado atingido ao final dos 12 meses, após revisão do Congresso, nos últimos 10 anos.
2007
Projetado: R$ 95,9 bilhões *
Executado: R$ 101,6 bilhões **
Cumprimento com folga
Preço alto das commodities no mercado internacional, impulsionam o crescimento da economia e a arrecadação federal. Mesmo com aumento de despesas, a meta fiscal é cumprida com fôlego.
2008
Projetado: R$ 105,1 bilhões *
Executado: R$ 118 bilhões **
Crise internacional não prejudica
A crise externa não afeta o crescimento da economia e o governo consegue um bom desempenho da arrecadação federal, cumprindo a meta acima do esperado.
2009
Projetado: R$ 42,7 bilhões *
Executado: R$ 42,7 bilhões **
Primeiras "pedaladas"
Para cumprir a meta, governo turbina o recebimento de dividendos das empresas estatais. Além disso, resgatou R$ 8,9 bilhões em depósitos judiciais que estavam havia mais de uma década em bancos públicos. Outro aporte veio dos R$ 4,7 bilhões arrecadados dos parcelamentos de dívidas do chamado Refis da Crise. Tesouro diz que nada foi feito "fora das regras".
2010
Projetado: R$ 120,7 bilhões *
Executado: R$ 101,7 bilhões **
Novas "pedaladas"
A economia brasileira se recupera rápido da crise internacional e a arrecadação volta a aumentar. As despesas, no entanto, sobem em ritmo mais veloz e o governo é obrigado a adotar outra manobra fiscal para tentar chegar mais perto da meta já revista. Desta vez, inclui o valor investido em obras do PAC no cálculo do valor economizado.
2011
Projetado: R$ 127,9 bilhões *
Executado: R$ 128,7 bilhões **
Meta volta a ser cumprida
A arrecadação recorde de impostos ajuda o Tesouro Nacional e o governo volta a cumprir meta fiscal sem artifícios contábeis após dois anos.
2012
Projetado: R$ 104,6 bilhões *
Executado: R$ 88,5 bilhões **
Volta das "pedaladas"
As desonerações de impostos concedidas às empresas para estimular o crescimento afetam a arrecadação. O governo revê a meta e, mesmo assim, precisa adotar manobras contábeis para alcançar o valor prometido. A estratégia é duramente criticada por analistas e por publicações internacionais. Surge a expressão "contabilidade criativa."
2013
Projetado: R$ 108,1 bilhões
Executado: R$ 77 bilhões
Receitas extraordinárias
O governo reduz a meta mais uma vez e precisa recorrer de novo a manobras para alcançar o valor prometido. Além dos descontos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o abatimento das desonerações tributárias, também ajuda a entrada de receitas extraordinárias, como o pagamento do bônus do campo de Libra _ reserva de petróleo no valor de R$ 15 bilhões.
2014
Projetado: R$ 116,1 bilhões*
Executado do déficit: R$ -32,5 bilhões**
Mudança e confusão no Congresso
Em ano de eleição, os gastos do governo disparam e o país fecha o ano com déficit pela primeira vez desde o início da regra da meta fiscal. O governo consegue aprovar projeto de lei que permitia que todos os gastos com o PAC fossem descontados da meta.
2015
Projetado: R$ 66,3 bilhões *
Executado com déficit: R$ -111,2 bilhões**
Déficit pelo segundo ano
A base aliada se mobiliza e aprova mudança na meta fiscal, que autoriza o governo a fechar as contas com déficit de R$ 119,9 bilhões, sendo que R$ 57 bilhões seriam utilizados para quitar o passivo com bancos por conta das chamadas "pedaladas fiscais."
2016
Projetado: R$ 24 bilhões*
Previsão de execução com déficit: R$ - 170,5 bilhões**
Congresso barra alteração
Diante das dificuldades para manter a arrecadação em meio ao fraco desempenho da economia, o governo Dilma tenta reduzir a meta estipulada, mas, sem maioria no Congresso, não consegue realizar a votação. Agora, o governo interino tenta sugerir uma nova meta.OBS.: As cifras são expressas em valores correntes e referem-se à meta executada nas três esferas de governo: União, Estados e municípios.
* As cifras são expressas em valores correntes e referem-se à meta executada nas três esferas de governo: União, Estados e municípios
** Projeção anunciada pelo Planalto na última sexta-feira, que diz respeito apenas às contas da União.Fontes: Banco Central e governo Federal
Fonte: Banco Central e governo federal