José Eduardo Cardozo vai até o final com Dilma Rousseff. À frente da defesa da presidente no impeachment no Congresso e no Judiciário, escalado nas entrevistas mais duras, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU) está pronto para seguir como advogado da petista caso o processo seja instaurado pelo Senado. Será a missão decisiva após seis anos de convivência.
O ministro confia na interpretação de que a quarentena que terá de passar, com a eventual exoneração feita por Michel Temer, permitirá a atuação em favor de Dilma. Se não for possível, dará consultoria informal no processo.
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Cardozo nos ambientes formais, Zé Eduardo para os amigos e Zezinho nos momentos reservados com a presidente, o ministro é a pessoa do governo de maior confiança de Dilma. Aos 57 anos, este paulistano, que foi vereador e deputado federal, tem a admiração da presidente. Recebeu elogios após a fala na comissão do impeachment, quando sustentou a tese do "golpe de Estado".
– Você viu? Zezinho arrasou! – comentou Dilma com outros ministros.
Os caminhos de Dilma e de Cardozo se cruzaram na eleição de 2010. Com José Eduardo Dutra e Antonio Palocci, ele foi um dos "três porquinhos" que coordenaram a campanha. A relação rendeu ao advogado, professor de Direito, a vaga no Ministério da Justiça por cinco anos.
Desde março na AGU, mantém encontros diários com Dilma. No ano passado, a presidente o incentivou a adotar a dieta ravenna, que funcionou, mas é driblada com M&Ms e jujubas. Fraterna com seu ministro, Dilma lhe chama a atenção para cuidar da saúde e da imagem. O chefe da AGU é famoso por aparecer com a camisa aberta ou para fora das calças e a gravata torta. A presidente se afeiçoou pelo jurista bem-humorado, bagunceiro, péssimo com horários e sedutor. O estilo distraído rende causos, que ele próprio espalha. É célebre a história de que, em um comício, pensou que pegava no colo uma criança, mas se tratava de uma anã.
Notívago, Cardozo costuma chegar ao gabinete por volta das 10h e invade a madrugada no trabalho. É pianista e aprecia música clássica e jazz.
Impeachment não é novidade. Vereador paulistano, presidiu a CPI que em 2000 tentou cassar o prefeito Celso Pitta. Agora, um novo impeachment pode encerrar sua carreira política. Ele pretende voltar ao trabalho de procurador do município de São Paulo. Ainda quer concluir o doutorado e lecionar. Antes, vai defender Dilma até o epílogo da crise.
Histórico de atritos com Lula
Filiado ao PT desde 1980, José Eduardo Cardozo nunca foi unanimidade no partido. Muitos petistas que o aplaudem na defesa da presidente Dilma Rousseff, até fevereiro pediam sua cabeça no Ministério da Justiça. Na avaliação de caciques da sigla, entre eles o ex-presidente Lula, Cardozo não conseguiu impor freios à Polícia Federal na Operação Lava-Jato, fator decisivo para o governo desmoronar.
Resistente à mudança, Dilma cedeu em fevereiro. A pressão ficou insustentável com a prisão do marqueteiro João Santana e o cerco a Lula. Cardozo tomou posse na AGU em 3 de março. Na madrugada seguinte, policiais bateram à porta do ex-presidente, conduzido coercitivamente para depor.
A dicotomia é constante na história de Cardozo no PT. Para os admiradores, é um jurista competente, político hábil e idealista. Para os desafetos, é moroso e frouxo. Aos amigos, ele reclamava há meses dos ataques considerados "injustos", em especial sobre a Lava-Jato. Cansou de receber comitivas de parlamentares que cobravam investigações da parte tucana do esquema e dos vazamentos que visavam o PT. Respondia que o trabalho era feito, que não podia cercear a polícia.
Se Cardozo é nome de confiança de Dilma, nunca foi de Lula. Os atritos são antigos. Em 1997, integrou comissão interna do PT que investigou irregularidades em contratos de gestões petistas com a consultoria CPEM. O relatório concluiu que o advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, atuou em nome da empresa. Teixeira escapou, e o denunciante Paulo de Tarso Venceslau, ex-secretário de São José dos Campos, foi expulso da legenda.
A bandeira da ética sempre acompanhou Cardozo em sua trajetória, pregação que o afastou do grupo de Lula e do ex-ministro José Dirceu. Ele não ascendeu na sigla a partir dos sindicatos. Cresceu no movimento estudantil e na militância ligada ao mundo jurídico. Destacou-se na corrente Mensagem ao Partido, pela qual disputou a presidência do PT, em 2009 – foi derrotado por José Eduardo Dutra (morto em 2015), candidato de Lula.
– Desde jovem, Cardozo se mostrou inteligente e preparado. Percebia-se um futuro brilhante – recorda o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
Quando deixaria a política, veio a eleição de Dilma e o passaporte para a Esplanada.