O ex-presidente da Andrade Gutierrez Energia Flavio David Barra detalhou nesta sexta-feira, em depoimento na 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, os pagamentos ilegais feitos pela empresa a membros da diretoria da Eletronuclear no âmbito das obras de construção da usina nuclear de Angra 3. O esquema de propina foi exposto pela Operação Lava-Jato. As acusações também atingiram o PMDB, nas figuras do ex-ministro Edison Lobão (Minas e Energia) e do senador Romero Jucá (RR). Foram mencionadas ainda as obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, com divisão de propinas entre PMDB e PT.
Barra assumiu as obras de Angra 3 no fim de 2012. Nessa época, houve, segundo ele, uma reunião na casa do almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, então presidente da Eletronuclear, para apresentar o projeto da usina e também o funcionamento do esquema. Lá, o então executivo da AG Clóvis Renato Peixoto Primo apresentou os dois e falou dos pagamentos, que eram da ordem de 1% dos contratos.
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– A gente sempre quis ter uma relação muito próxima com ele (Othon), então nós aceitamos esse compromisso (propina) – disse Barra.
A defesa de Othon nega que o almirante tenha recebido propina.
Os repasses, segundo Barra, eram feitos por meio de contratos de fachada com empresas mantidas pelo almirante. Ele, contudo, não citou valores. Além do 1% para o presidente da Eletronuclear, outros três executivos da estatal foram citados: o diretor técnico Luiz Soares e seus superintendentes Luiz Messias e José Costa Mattos. Os três ainda constam como membros da diretoria da Eletronuclear no site da empresa.
Diferentemente de Othon, os três executivos recebiam a propina em dinheiro vivo. Para justificar os gastos, a AG simulava pagamentos a empresas de Adir Assad, um dos operadores da Lava-Jato.
– Ele prestava serviço para algumas obras, com valores aumentados (para repassar aos diretores). Depois começou a produzir contratos fictícios, sem nenhuma materialidade, para justificar a saída de dinheiro – narrou Barra.
Os pagamentos eram feitos conforme o andamento das obras de construção civil da usina. Em setembro de 2014, quando foi assinado o contrato para a fase de montagem da usina, executada pelo consórcio Angramon, o PMDB apresentou seu pleito ao conjunto de empresas, que incluía UTC, Camargo Corrêa, Odebrecht, Techint, Queiroz Galvão, EBE e Andrade Gutierrez.
– Já se pedia, mesmo sem assinatura do contrato, algum adiantamento para a campanha. O montante era de 1%, pleiteado pelo PMDB através do ministro Edison Lobão – afirmou Barra.
Havia ainda, segundo ele, uma parte "a ser equalizada" com o senador Romero Jucá (PMDB-RR), também referente a Angra 3. Segundo Barra, esses pagamentos não chegaram a ser concretizados.
– A UTC antecipou parte do valor (para o PMDB), mas não efetivamos nenhum pagamento – disse.
Ainda de acordo com o depoimento de Barra, o valor do contrato para a construção de Angra 3 de fato era insuficiente para executar o projeto nos valores atuais. Por isso, a empresa (que atuava sozinha no contrato da obra civil) pleiteava aditivos de contratos. O executivo destacou diversas vezes que a empresa considerava a necessidade de "estar próxima" à diretoria da Eletronuclear a fim de conquistar esses aditivos.
As obras de Angra 3 sofreram algumas paralisações por falta de pagamento até a suspensão definitiva em 2015, após o início das investigações da Lava-Jato. Segundo Barra, quando isso ocorria, os pagamentos de propina também eram suspensos.
Belo Monte
Ainda segundo Barra, houve acerto para pagamento de propina de 1% para o PT e PMDB no âmbito das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. A Andrade Gutierrez integra o consórcio que lidera a obra. De acordo com seu depoimento, cada partido ficava com 0,5%, e os depósitos foram feitos em forma de doações oficiais aos diretórios nacionais de cada legenda. Os pagamentos também eram suspensos em épocas de ausência de repasse do governo.
– Eu sugeria até como forma de pressão – contou Barra.
O ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio Marques de Azevedo também deu detalhes sobre a propina em Belo Monte. Ele confirmou os porcentuais e a forma de pagamento (doações registradas).
– A Andrade pagou R$ 20 milhões só por Belo Monte ao longo de anos, R$ 10 milhões para cada partido – disse Azevedo.
Ainda referente a Belo Monte, o ex-presidente da Andrade relatou um pagamento de R$ 15 milhões feito pelo consórcio ao ex-ministro Delfim Netto e um pedido de contribuição feito pelo pecuarista José Carlos Bumlai, negado pela empresa.
– Já bastava o 1% que a gente tinha que pagar", afirmou Azevedo.
Origem
O pagamento de 1% sobre o valor dos contratos da Andrade Gutierrez em obras públicas (além da Petrobras) começou após 2008, quando houve uma reunião entre Azevedo e o então presidente do PT Ricardo Berzoini, hoje ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República.
– Eles queriam isso inclusive sobre o passado, o que de pronto foi recusado – contou Azevedo.
A demanda, segundo ele, foi levada à construtora, que aceitou pagar propinas referentes aos projetos em fase inicial e futuros. A partir de 2010, quem se encarregou das cobranças foi o então tesoureiro do PT João Vaccari Neto, preso na Lava-Jato. O PT exigiu inclusive pagamento de comissão sobre a obra de uma siderúrgica na Venezuela, na qual a AG atuava. Sobre os contratos com a Eletronuclear, contudo, Azevedo afirmou ter tomado conhecimento do acerto de propina quando já estava preso.