Em uma casa pouco afeita a cumprir horários, pontualmente às 8h55min de sexta-feira o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), abriu a primeira sessão do impeachment da presidente Dilma Rousseff com o derradeiro duelo verbal entre defesa e acusação. Enquanto o advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo, e o jurista Miguel Reale Jr. faziam discursos inflamados em tribunas opostas, o foco de atenção era outro entre os deputados: cabalar votos para a disputa de domingo.
A movimentação nos bastidores era intensa. Ex-deputados como o petista professor Luizinho, condenado no mensalão, e o peemedebista Eliseu Padilha circulavam pelo plenário. Ao avistar o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) em um corredor, Padilha o abraçou e o conduziu para um lugar mais reservado. Ao pé do ouvido, passou uma missão: confirmar se o líder da bancada do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), estava no Planalto reunido com o ministro Ricardo Berzoini, da Secretaria de Governo. Perondi passou a disparar telefonemas a deputados do Rio. A estratégia era ameaçar Picciani de ser destituído da liderança caso articulasse votos em favor de Dilma.
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Ex-presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS) tinha uma lista de 20 parlamentares que deveria convencer a votar contra o impeachment ou se ausentar. Ministros que se licenciaram do cargo para reassumir o mandato de deputado tentavam de última hora reverter o favoritismo da oposição.
– Estamos aqui para tentar preservar as regras do jogo democrático – repetia Patrus Ananias (PT-MG).
Governadores e prefeitos aliados também foram convocados à Câmara para ajudar no convencimento. Governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) chegou pela manhã em Brasília e iniciou um périplo por gabinetes e corredores. Em pouco tempo, tinha conversado com 11 dos 18 deputados de seu Estado.
– Vamos vencer a batalha da hora, que é impedir a oposição de ter 342 votos. A partir de segunda-feira, a gente fala em governabilidade – disse.
Para Silvio Costa (PT do B-PE), vice-líder do governo na Câmara, a guerra de números seguirá até o início da votação. Ontem, circulava com uma lista em que eram apontados entre 187 e 204 apoios em favor do governo, o suficiente para barrar o impeachment.
– Onde é que está escrito que o cabra não pode adoecer no domingo? – questionou Costa, reforçando incentivo ao sumiço de deputados no dia da votação.
"Jantar dos indecisos" vira banquete de aclamação a Temer
No enfrentamento de placares, Rogério Rosso (PSD-DF), que presidiu a comissão especial do impeachment, manifestou posição ponderada. Para ele, que votará pelo afastamento, a oposição está demasiadamente confiante.
– Quem ganhar, será por margem pequena de 20 votos – afirmou Rosso.
A projeção fecha com os mapas do PMDB, a favor do vice Michel Temer. Contabilizando 367 apoios ao afastamento de Dilma, o partido exala confiança. Na noite anterior, Temer foi a um jantar na casa da filha do deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), uma mansão no Lago Sul, área nobre de Brasília. Batizado de "jantar dos indecisos", o convescote foi concebido para reunir líderes e deputados ainda no muro, converteu-se em banquete de aclamação do "futuro presidente". Mais 80 parlamentares compareceram.
O espaço mais concorrido foi ao lado do vice, na mesa que compartilhou com Padilha, Geddel Vieira Lima (PMDB), Heráclito, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Rubens Bueno (PPS-PR) e Antonio Imbassahy (PSDB-BA).
O menu teve paçoca de carne de sol com banana crua, salada, massa com queijo ou risoto com iscas de filé. Temer ficou na água. Os colegas, no vinho e uísque.
Ao longo do jantar, Padilha monitorava pelo celular a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgava uma ação do governo contra a votação. A derrota do Planalto foi tripudiada pelos peemedebistas.
– Quem tem voto não recorre ao tapetão. Quem procura o tapetão é porque já perdeu – ironizou Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).
Ex-presidente da OAB do Rio, o deputado Wadih Damous (PT) criticou o Supremo. Para Wadih, a Corte "lavou as mãos" e "legalizou o vale-tudo":
– O que o STF fez foi legitimar esse cenário de exceção que estamos vivendo.
Discursos inflamados de governo e oposição exercem pouco efeito sobre parlamentares
Oito horas após ser derrotado no Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo, voltou a ocupar uma tribuna ontem, em defesa do governo. Pela oposição, coube a um dos autores do pedido de impeachment, Miguel Reale Junior, fazer a sustentação oral da acusação. Ao término das exposições, era consenso no plenário que os apelos de defesa e acusação pouco efeito exerceram sobre os deputados.
Mudanças de posição, neste momento, apenas em negociações de bastidores, que envolvem cargos, emendas, pressões da base e apoio nas eleições municipais. O número real de indecisos é considerado baixo, em torno de 20.
No plenário da Câmara, Cardozo repetiu que o processo era nulo, o relatório, falho, e a aceitação do pedido de afastamento de Dilma Rousseff, uma retaliação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao PT. O ministro descartou ilegalidades nas pedaladas fiscais e disse que não havia dolo na ação da presidente.
– Esse processo de impeachment, se aprovado nessa Casa, provocará uma ruptura institucional e uma violência sem par. O relatório não sobrevive a uma simples análise – afirmou.
Logo no início do pronunciamento, Cardozo avisou a Cunha, que desejava apresentar uma nova defesa de Dilma no domingo, antes da votação.
Cunha, contudo, disse que não irá acatar o pedido.
– O que a defesa falou na comissão especial foi um tempo extremamente superior a todos aqueles que acusaram juntos e, talvez, multiplicado por dois. Não há previsão (de defesa antes da votação), não houve no impeachment do Collor, e vamos fazer igual agora – argumentou.
Tendência de vitória deve surgir após dois terços da votação
Cercado por deputados com faixas e cartazes dizendo "Impeachment Já" e "Tchau, querida", Reale Jr reiterou as denúncias contra a presidente, a quem acusou de quebrar o país porque a "ganância do poder não vê limites".
– O Brasil entrou no cheque especial e está falido. E por que foi possível fazer isso? Porque foi possível esconder essa realidade da população brasileira por meio das pedaladas – resumiu, antes de pedir aos deputados que libertem o país da "prisão da mentira e da corrupção".
Para o domingo, governistas avaliam que o momento-chave será quando dois terços dos deputados tiverem votado. Quem tiver tendência de vitória, arrastará os últimos indecisos.
– Será possível verificar quais listas são quentes e quais são frias – afirmou Marco Maia (PT-RS).