A voz do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ecoava pelo ambiente do Gran Teatro de Havana, na terça-feira, durante o histórico pronunciamento para a nação cubana, presenciado e aplaudido pela alta cúpula do regime castrista. Com frases objetivas e marcantes, disse que estava ali para enterrar o que havia sobrado da Guerra Fria.
Enquanto isso, a menos de três quilômetros de distância, na embaixada dos Estados Unidos em Cuba, um time de inteligência revisava o protocolo de segurança do staff americano em missão na ilha. A luz vermelha da equipe acendera exatamente 60 horas antes, no sábado, num episódio que começou num dos quartos do Hotel Plaza, um dos melhores do centro de Havana e onde estava hospedada parte da comitiva presidencial. Um assessor diplomático, hospedado no terceiro andar, notou, ao sair do banho, que um dos seus sete telefones celulares funcionais não estava na mesa onde tinha certeza de havê-lo deixado.
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O americano dirigiu-se ao lobby do hotel para questionar a recepcionista se ninguém havia encontrado um aparelho perdido. Ao se identificar como membro da diplomacia americana, notou a presença de uma terceira pessoa na recepção: um homem alto, de cara fechada, camisa social e terno, de voz grave, que passou a lhe fazer uma série de perguntas.
O assessor descobriu que estava pisando em terreno minado quando o estranho corrigiu uma parte de seu relato:
– Mas o senhor não passou pela praça central antes de retornar da embaixada como está me dizendo.
Três dias depois, o assessor comentou:
– É certo que nossa equipe estava sendo vigiada.
O celular não foi encontrado. O episódio indica que a busca por informação e a necessidade de monitorar estrangeiros na ilha – em especial americanos – ainda são uma obsessão, mesmo que, nos discursos, a Guerra Fria tenha sido "enterrada".
Nos dois dias em que a comitiva de Obama permaneceu na ilha, o regime despejou nas ruas um enorme contingente de policiais e agentes do serviço de segurança para vigiar visitantes, controlar a população e evitar surpresas. Nos movimentados lobbies de hotéis, misturaram-se aos hóspedes.
Pelas estreitas calles de Havana, agentes se passavam por cubanos comuns e povoavam o percurso de Obama pela capital. No itinerário americano, tudo foi visto, anotado, monitorado e controlado pela máquina de inteligência cubana.
Radicado na Espanha se opõe a repressão
Encontrei o cubano Yamel com a mulher e o filho, Hugo, dois anos, no parque nos fundos da Catedral de Havana, à margem da baía. Eles moram na Espanha e, uma vez por ano, voltam a Cuba para rever a família. De início, Yamel não quis falar sobre a situação de Cuba.
– Muito difícil, perigoso – comentou.
Deixei a conversa fluir pela vida na Europa, mas Yamel trouxe o tema à tona:
– É bom ver Obama aqui. Mas isso não vai fazer com que os cubanos venham a ter um direito elementar: falar o que pensam sem medo de sofrer repressão. A geração que me antecedeu, a minha e a do meu filho não desfrutaram disso em Cuba.
Yamel se exaltou. Notamos que seguranças à paisana se aproximam. Um estrangeiro conversando com uma família cubana, cujo pai gesticula bastante ao falar, é mais do que suficiente para chamar a atenção da arapongagem. Faltavam quatro horas para a visita de Obama à catedral, e aquele certamente era um dos locais mais vigiados da ilha no domingo à tarde. Interrompi nossa conversa antevendo problemas à família, agradeci a disposição e nos despedimos.
Equipe de TV preferiu usar sistema próprio
A máquina de contrapropaganda cubana também funcionou a pleno nos últimos dias. Na TV, controlada pelo governo, as notícias da cobertura que antecedeu a visita mostravam uma foto de Obama – é improvável que a emissora não tenha, em seus arquivos, imagens do presidente americano. Um pequeno cartaz com os rostos de Obama e Raúl Castro em Havana Velha foi a forma permitida de anúncio público da visita histórica.
As maiores redes americanas de TV optaram por não se juntar às equipes estrangeiras no Centro de Imprensa montando pelo governo cubano no hotel Habana Libre. Inaugurado pela rede Hilton, em 1958, o cinco estrelas foi expropriado pelos revolucionários e rebatizado logo depois. No QG da imprensa internacional, no Habana, jornalistas puderam desfrutar de uma rede de alta velocidade para transmissão de conteúdo.
– Não usamos essa estrutura porque tínhamos receio do monitoramento pelo governo local – confidenciou um produtor de TV americana, que trouxe estrutura própria a Cuba, com transmissão via satélite.
Ao longo de décadas de Guerra Fria, nações que se opuseram gastaram bilhões de dólares em inteligência, contrainteligência, informação e todo tipo de espionagem. Dizer que os resquícios desse conflito do século passado estão enterrados foi emblemático para o discurso do visitante, consolidando, desta forma, a chamada Doutrina Obama – a preferência pelo diálogo e pelas boas relações mesmo com nações hostis, em contraposição à Doutrina Bush. Mas a obsessão pela vigilância ainda vai mover por muito tempo o regime cubano.