Reverenciado como um dos mais importantes músicos brasileiros e dono de uma robusta e prestigiada carreira no Exterior, o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos morreu na manhã desta quarta-feira (9/3), aos 71 anos, em decorrência das complicações de um câncer de pulmão. Ele estava internado na Unidade de Cuidados Semi-Intensivos do hospital Unimed III, no Recife, desde 29 de fevereiro, quando passou mal em um show realizado com o violoncelista Lui Coimbra, no dia anterior, em Salvador.
Em agosto de 2015, Naná descobriu estar com câncer e chegou a ser hospitalizado para tratamento por mais de 20 dias. Após a alta, mostrou otimismo:
– Eu tenho essa situação, e tenho que enfrentar com força, pensamento positivo. E vou enfrentar com o pensamento de que eu vou chegar lá.
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Eleito oito vezes o melhor percussionista do mundo pela revista americana Down Beat, Naná fez questão, apesar da doença, de participar, em fevereiro, da abertura do Carnaval do Recife acompanhado por seus 400 batuqueiros.
Nascido em Recife como Juvenal de Holanda Vasconcelos, em 2 de agosto de 1944, Naná cresceu em ambiente musical. Durante a infância, costumava acompanhar o pai, um violonista de Recife, em suas apresentações. Mas o garoto logo mostrou que sua vocação era a batucada. E foi na arte da percussão, aprimorada nos maracatus e nas bandas marciais, que ele mostrou ter uma criatividade singular.
Naná exercia sua arte com a versatilidade de quem absorveu muitas sonoridades ao longo da formação musical. Suas influências percorriam do clássico de Villa-Lobos ao rock eletrificado de Jimi Hendrix, das raízes percussivas africanas a elementos regionais pinçados de Norte a Sul do Brasil. Transitou com desenvoltura entre o jazz e a MPB valorizando os instrumentos de percussão afro-brasileiros, como o berimbau do qual foi o grande divulgador no Exterior.
O músico mudou-se para o Rio de Janeiro nos anos 1960, onde passou a acompanhar Milton Nascimento, na época começando a carreira. Depois, trabalhou com, entre outros, Geraldo Azevedo e Geraldo Vandré. No começo da década de 1970, Naná deu início a sua carreira internacional, com apresentações nos Estados Unidos e Europa. Morou em Paris e também em Nova York. Acompanhou, entre outros respeitados artistas internacionais, Pat Metheny, B.B. King, Paul Simon, Gato Barbieri, Jean-Luc Ponty e David Byrne.
Combinando os instrumentos de sua cozinha com a linguagem corporal e o uso de vocalizações, Naná transformava suas apresentações em verdadeiras performances sonoras, consagrando um estilo único na sua arte musical. Seu primeiro disco, Africadeus, foi lançado em 1972. No ano seguinte, apresentou o álbum Amazonas, um marco na combinação de percussão e voz. Junto com Egberto Gismonti, Naná gravou Dança das Cabeças (1976), trabalho referencial na música popular brasileira.
O artista cumpriu uma trajetória marcada pela permanente inquietação que o levava a fazer experiências musicais curiosas. No disco vencedor do Grammy latino Sinfonia & Batuques (2011), por exemplo, uniu orquestra de câmara e percussão, gravou um tema apenas com risadas e outro marcando o ritmo na água.
– Sempre vi a música também como uma linguagem visual – disse Naná em entrevista a ZH, em 2005.
Em outra passagem por Porto Alegre, em 2010, Naná afirmou:
– Quero mostrar cenários brasileiros por meio dos sons, usar a percussão como se fosse uma orquestra. O músico, quando toca, tem que procurar dizer alguma coisa, não tentar explicar o que sabe fazer.
Seu último disco foi o elogiado 4 Elementos (2013), no qual inspirou-se nos elementos fundamentais da natureza: água, ar, terra e fogo. Ele deixa duas filhas, Jasmim Azul e Luz Morena.