Às 7h15min de sexta-feira, quando o sol da manhã mal iluminava o centro de Havana, caminhões cortaram o Paseo de Martí, despejando asfalto quente na avenida que passa em frente ao Capitólio e aos hotéis mais luxuosos da cidade Um rolo compressor e homens com pás vinham na sequência para dar o acabamento à nova pavimentação.
Da noite para o dia, um contingente de trabalhadores tomou o centro, Havana Velha e Vedado, regiões por onde vai passar a comitiva do presidente Barack Obama a partir deste domingo – confira a agenda de Obama em Cuba.
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Quando o avião presidencial Air Force One tocar o solo cubano pela primeira vez, é possível que canteiros de obras ainda estejam sob trabalho intenso. Não é comum que Havana seja submetida a tamanha transformação para recepcionar um presidente. Prédios públicos mais antigos receberam pintura nova, a iluminação pública foi reformada, e as floreiras dos parques Central, Fraternidade e Maceo, replantadas.
Moradores da área central foram orientados a não estender bandeiras dos Estados Unidos nas fachadas de casa. Em vão: nas janelas e sacadas dos prédios em estilo colonial, art dèco, flâmulas americanas foram penduradas para caracterizar o momento histórico.
O governo se dispôs a até mesmo ajudar com material de construção donos de casas em ruas e avenidas obrigatórias no roteiro de Obama, imagens que certamente serão exibidas no mundo todo. O cuidado com cada detalhe da visita, que começa domingo e vai até terça-feira, passa também pelo comportamento dos cubanos.
– Os policiais aqui estão sendo muito claros com a gente: não sejam efusivos nem festivos – diz Carlos Alvarez, 25 anos, residente na Rua Obispo, uma das mais movimentadas de Havana Velha.
Para uma população que aprendeu desde cedo que o inimigo número um de seu país se chama Estados Unidos e que o "imperialismo ianque" é nocivo ao povo cubano, Cuba faz todos os esforços para ser um bom anfitrião. Além de melhorar o aspecto da cidade e permitir que os havaneiros saiam às ruas para saudar os americanos, a população aguarda a chegada com ansiedade.
– Estamos todos muito felizes com a chegada do presidente americano. É histórico. É um passo para o futuro de Cuba – comemora Deniz Rodriguez, motorista de ônibus em Havana.
Regime teve de aceitar reunião com dissidentes
Embora nenhum acordo bilateral tenha reflexo imediato na vida dos cubanos, o respaldo de Obama, que fez todos os esforços para viajar antes do fim do mandato, é enorme. A esperança em Cuba é que a visita tenha impacto simbólico suficiente para encaminhar o fim do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos.
Há ainda um compromisso da delegação americana que o regime socialista teve de aceitar: Obama se encontrará com representantes de grupos de oposição, como o Otro18, que prega mudança no processo eleitoral em 2018, e Damas de Blanco, mulheres de presos políticos do regime castrista.
– Cuba não irá renunciar a nenhum de seus princípios. Os assuntos internos são de interesse exclusivo nosso – disse o ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Parilla, em entrevista.
Foi o único tema que modificou o tom da coletiva, acompanhada por Zero Hora. O regime direcionou toda a agenda de compromissos mútuos de Raúl Castro e de Obama para tratar de questões comerciais, o maior interesse cubano.
A distensão nas relações econômicas deu mais um passo importante nos últimos dias, com a permissão para que os cubanos passem a usar dólares em transações financeiras internacionais. A medida abrirá caminho para Cuba obter empréstimos de bancos europeus sem receio de sanções pelos Estados Unidos. A contrapartida é o fim da taxação de 10% sobre qualquer investimento estrangeiro feito em dólar na ilha.
O primeiro encontro entre Obama e Castro está marcado para segunda-feira, quando os dois aparecerão em público para um comunicado conjunto. Será o momento mais aguardado até agora. Cuba concordou na terça-feira que o presidente americano se dirija publicamente ao povo cubano, sem a presença de autoridades locais. O evento será transmitido ao vivo, portanto, sem cortes, pela TV Cubana.
Prestes a completar 90 anos, Fidel Castro, que tem feito raras aparições públicas, não deve se encontrar com Obama.