Uma onda de debates acalorados se formou a partir do episódio em que o filho da suplente de vereadora Ariane Leitão (PT), de um ano e um mês, teve consulta médica desmarcada por questões partidárias em Porto Alegre. A pediatra, que comunicou via WhatsApp a sua decisão de não mais atender o menino pela filiação política da mãe, passou a ser alvo de críticas, defesas de classe e análises sobre a conduta ética da profissional.
A pediatra Maria Dolores Bressan comunicou Ariane em 17 de março, um dia após a revelação de um grampo telefônico em conversa do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff. Ela disse ter tomado a decisão por honestidade, alegando estar "profundamente abalada" e "decepcionada", "sem a mínima condição de ser pediatra do teu filho". Em meio ao processo de polarização e radicalização da política brasileira, o posicionamento gerou uma série de críticas.
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– É lamentável. Fere os preceitos elementares da ética e do dever de solidariedade ao próximo que todos temos – opina Paulo Kramer, cientista política e professor licenciado da Universidade de Brasília (UnB).
Para Jorge Carlos Machado Curi, diretor de saúde pública da Associação Médica do Brasil e membro do Conselho Federal de Medicina, o profissional "não deve colocar nenhum obstáculo de conotação religiosa, de gênero ou partidário" na relação com os pacientes. Ele lamenta o episódio, mas faz ponderações e alerta para o risco de condenações precipitadas.
– Não pode ter preconceito ou obstáculo para atender ninguém. Mas não sendo uma situação de urgência e havendo quebra na relação com o paciente, ela pode fazer isso (deixar de atender) – avalia Curi.
Presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes disse ao Diário Gaúcho que a pediatra "tem a nossa admiração". Na avaliação dele, a médica agiu com honestidade.
– A sensação que eu senti (ao saber da posição de Argollo) foi bem parecida com a do momento em que recebi a mensagem da médica. Eu me assustei. Mais do que lamentável, foi uma tentativa baixa de politizar o caso. Estamos tratando de discriminação e intolerância. Hoje foi com meu filho, amanhã pode ser com outro. Quando ocorre intolerância com uma criança é porque estamos chegando à beira do abismo – desabafou Ariane, que foi secretária de Políticas para as Mulheres do governo Tarso Genro.
Para o cientista político Paulo Kramer, parte da sociedade pratica uma espécie de vingança contra o PT, em momento em que o partido atravessa a maior crise da sua história. A intolerância seria resultado desse processo.
– O atual clima de hostilidade mútua na sociedade, que percebemos em vários setores da vida nacional, é fruto da semente plantada pelo PT há mais de 30 anos. Eles sempre se distinguiram por desqualificar moralmente os seus adversários – avaliou.