As recentes ações do juiz federal Sergio Moro, além de estimularem protestos pelas ruas do país, resultaram em um acirrado debate jurídico. Especialistas ouvidos por Zero Hora divergem sobre a possibilidade de o magistrado ter agido politicamente ao se manifestar fora dos autos e ao divulgar um telefonema entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recebeu nesta quinta-feira três representações contra Moro que darão origem a uma investigação preliminar sobre a conduta do magistrado.
Após receber apoio de manifestantes contra o governo federal no dia 13 de março, Moro lançou nota dizendo-se "tocado" pelo apreço popular. Afirmou ser "importante que as autoridades eleitas e os partidos ouçam a voz das ruas". Na quarta-feira, divulgou a conversa na qual Dilma oferece a Lula um termo de posse como ministro para ser usado "em caso de necessidade".
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Um advogado do Maranhão, um cidadão do Distrito Federal e o Sindicato dos Advogados da Paraíba encaminharam representações contra a postura de Moro ao CNJ. Uma investigação preliminar será conduzida pela corregedora, a gaúcha Nancy Andrigui, que poderá arquivar o caso ou propor a abertura de um processo disciplinar – que necessitaria ser aprovado pela maioria do pleno do conselho, com 15 magistrados. A instrução corre sob sigilo e não há prazo para definição.
Para o jurista Ives Gandra Martins, Moro agiu em conformidade com a liturgia do cargo:
– Existe o princípio da publicidade na administração pública. Como o juiz tinha a jurisdição do caso até as 10h da quinta-feira, quando Lula tomou posse como ministro, Moro poderia e deveria divulgar a conversa que mostra um desvio de funcionalidade da presidente Dilma ao entregar um ministério para proteger um amigo.
O também jurista Dalmo Dallari, em contraponto, lembra que uma das regras da Justiça é restringir as manifestações dos juízes aos autos de processos em andamento.
– Ficou evidente que Moro está deslumbrado. O pronunciamento que ele fez (sobre os protestos do dia 13) é político, não jurídico. Compromete a imagem do Judiciário – sustenta o professor emérito da USP.
Para Dallari, a divulgação da conversa entre Dilma e Lula também teve cunho político e atropelou a legislação:
– O artigo 5º, inciso 12º da Constituição, afirma o direito à intimidade e prevê a eventual quebra dessa intimidade em casos excepcionais, para apurar um fato determinado e desde que seja indispensável.
Desembargador aposentado do Rio Grande do Sul, José Antônio Paganella Boschi avalia que Moro poderia ter evitado interpretações de engajamento se não se manifestasse fora dos autos, mas considera que essa atitude se tornou comum inclusive entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
– Ultimamente, vemos muitos ministros do STF dando entrevistas sobre temas que podem vir a julgar, como a própria Lava-Jato. Quem está no primeiro grau da Justiça pode se sentir estimulado a adotar uma abertura maior – analisa Boschi.
Juízes federais realizaram mobilizações de apoio a Sergio Moro em capitais como Porto Alegre nesta quinta-feira.
– Moro se manifestou sobre os protestos, não sobre o processo. Todo juiz também é um cidadão – argumenta o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Antônio César Bochenek.