Colombiano, nascido em Bogotá há 70 anos, Juan Mario Fandino Marino é estudioso dos temas segurança pública e violência na América Latina. Doutor em sociologia pela Universidade de Wisconsin, nos EUA, pesquisador, professor aposentado da UFRGS, Fandino vive há quatro décadas em Porto Alegre e conhece como poucos a realidade local e a de Medellín. Segunda maior cidade da Colômbia, com 2,4 milhões de habitantes, subjugada pela tirania de Pablo Escobar até 1993, quando foi morto, Medellín se transformou em exemplo internacional de combate ao narcotráfico e redução dos homicídios. Assustado com o nível de criminalidade que a droga impõe à capital gaúcha, Fandino prega ações de impacto para diminuir o poder dos narcotraficantes.
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Assusta a guerra do tráfico em Porto Alegre?
Assusta não só pela violência e a hecatombe social que significa, mas pelas perspectivas que temos e as origens do problema. Quando temos uma mudança social violenta, como o tráfico de entorpecentes no mercado internacional por volta dos anos 1980, há uma transição criminológica, e a sociedade busca recuperar o equilíbrio. Mas isso não é apenas entre policiais e ladrões. É uma espécie de contrato social latente que há na população sobre as drogas. O cidadão da vila acha que ser bandido é a solução da vida dele. Isso é que me assusta.
O senhor defende a regra sobre consumo de maconha no Uruguai?
A proposta do ex-presidente José Mujica no Uruguai me parece o esforço para contenção mais importante que a América Latina já pensou. Não estou dizendo que vai dar resultado perfeito. Mas é o esforço mais importante porque, pelo menos, vamos aprender muita coisa com esse experimento. Vai atingir a população criminal carreirista.
Isso valeria para cocaína e crack?
Certamente. Os programas precisam de muito raciocínio. Admiro o Uruguai porque não se lançaram em fazer já o programa. Há uma garantia de que a coisa foi pensada.
O controle estatal sobre as drogas tende a reduzir a violência?
Sim. Enquanto as drogas permanecem nas mãos dos traficantes, segue uma relação social de imposição pela violência. A maconha no Uruguai não está sendo liberada, está sendo controlada. Estão identificando os usuários e protegendo-os como doentes.
Mais policiais nas ruas, investimentos em tecnologia, mais presídios são insuficientes para sufocar o tráfico?
Não se faz isso com medidas de cima para baixo. O momento é de crise aguda e precisamos de todos os recursos imagináveis de intervenção. Mas, também, de uma reflexão profunda. A polícia tem de se relacionar com a população para que ela possa colaborar.
Ações como ocupação de espaços públicos ajudariam?
Em alguns casos sim, e em outros, não. Os programas de pacificação, se são só isso aí, podem até piorar as coisas. Ao colocar mais policiais nas vilas, é preciso ter cuidado para não transformar em uma guerra pior do que antes.
O que pode-se dizer que reduziu a violência em Medellín?
Conselhos sociais de segurança pública, comunicação rápida entre o centro e as vilas com os teleféricos. Houve aperfeiçoamento das informações policiais. Foi um compromisso integral da população e do governo.
Autoridades de Medellín negociaram com criminosos, com acordo do tipo: roubem, mas não matem. O que acha?
Quando o momento é de crise brutal, como estamos enfrentando aqui, para salvar mais vidas, é possível fazer coisas que em outras situações não seriam toleráveis. Não sei se eu faria isso. A situação em Porto Alegre é insustentável. Então, vamos conversar com as pessoas, ganhar o terreno possível, para depois entrar com outros dispositivos e a médio prazo ganhar a guerra.
Seria recomendável em Porto Alegre?
Não vou dizer que seria recomendável, pois não sou da polícia, mas não descartaria uma conversa, uma espécie de pacto social.
Qual a receita para enfrentar o tráfico em Porto Alegre?
Empoderar a população civil para ela se conscientizar do que está acontecendo e de como pode ajudar. O mais importante é estudar uma maneira de aplicar o programa do Uruguai aqui. Não vejo alternativa com tantas possibilidades de sucesso.
No Rio e em São Paulo, os assassinatos estão em baixa. Em Porto Alegre, em alta.
A experiência da polícia e da população em São Paulo é maior. Já acumularam conhecimento para combater o tráfico. Além disso, o PCC controla melhor a população envolvida com o tráfico.
E o Rio, está mais organizado que Porto Alegre.
Porque começamos a enfrentar o problema depois. Vamos apreender sobre isso daqui a 10 anos.