Discreto nas palavras, mas arrojado nas ações, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) concretizou hoje o ponto culminante de uma estratégia política que vem concebendo há pelo menos sete meses.
Desde agosto do ano passado, quando ouriçou o Planalto ao dizer que o país precisa de "alguém que tenha a capacidade de reunificar a todos", Temer planejou o desembarque do PMDB do governo Dilma Rousseff. Apesar da ausência na reunião do diretório nacional na tarde desta terça-feira, suas digitais estão em todo o processo de rompimento com o governo.
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Aos 75 anos e com mais de três décadas de vida pública, Temer sempre foi um político astuto. Gravita na órbita do poder com a rara desenvoltura de quem manobra lealdades e traições ao sabor das conveniências. Foi assim que se tornou uma das poucas unanimidades no PMDB, partido que preside desde 2001. Prevendo o esfacelamento da base governista no Congresso por conta da crise política e econômica, distanciou-se do Planalto.
Nas últimas semanas, passou mais tempo em São Paulo do que em Brasília, operando em silêncio a debandada do partido, o que deverá provocar efeito dominó em bancadas de suporte a Dilma.
No domingo, em Congonhas, teria finalmente encontrado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após duas tentativas frustradas do petista em reunir-se para articular a manutenção no governo, e deu o aviso final: o PMDB sairá por aclamação. Na segunda-feira, passou o dia em reuniões, uma delas na residência oficial da presidência do Senado, onde encontrou Renan Calheiros, até então tido como esperança do Planalto. Na saída, o aperto de mão entre sorrisos dos dois caciques sinalizava que Temer havia ficado ainda mais próximo do objetivo de ver o governo ruir sozinho.
– Tudo o que o Michel tem de fazer agora é deixar o governo cair no seu colo por gravidade – resumiu um amigo próximo do vice.
É consciente da fragilidade do governo e diante da perspectiva de chegar à Presidência que Temer calcula cada passo. Com acenos ao mercado, ao empresariado e à oposição, se apresenta como fiador da estabilidade.
– Temer conspira e conversa, conversa e conspira. Não criou essa crise, mas diante da incompetência do PT, oferece o profissionalismo do PMDB – afirma o cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa.
Temer nunca foi o preferido do PT para compor a chapa presidencial. Era considerado ardiloso por Lula e voraz por Dilma. A primeira vez que conversou a sós com a então candidata, em 2010, foi justamente na ocasião em que ela formalizou o convite à vice-presidência. Enquanto saboreavam um peixe ao molho de maracujá, Temer deixou claro que o PMDB aspirava ser protagonista, mas em cinco anos de gestão o partido não passou de figurante nas decisões palacianas. Na única vez em que Dilma cedeu holofotes ao vice, em agosto de 2015, ele assumiu a articulação política e aprovou o ajuste fiscal no Congresso, mas o Planalto não cumpriu acordos que permitiram a vitória. Irritado, Temer recolheu-se ao Palácio do Jaburu e passou a planejar o rompimento.
– O Temer foi leal ao governo, mas foi mal-tratado. Recebeu missão, cumpriu e depois foi desautorizado. Essa atitude pavimentou o caminho do desembarque – avalia Antônio Queiroz, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.