O zagueiro Alaor, do Alvará Futebol Clube, tinha acabado de capotar o carro. Ali mesmo, de cabeça para baixo, preso pelo cinto de segurança e com o carro destruído, foi furtado na Avenida Nilo Peçanha, em Porto Alegre. Diferente do que imaginou, as vozes masculinas que perguntaram se estava sozinho no Siena prata não queriam prestar socorro. Pelo contrário. O grupo passou a levar tudo o que estava ao alcance das mãos.
- Não sei quem eram, nem quantos eram. Não conseguia vê-los. Só ouvia as vozes - conta.
Alaor Veríssimo, 53 anos, é advogado e joga futebol todas as segundas-feiras com uma turma de amigos. O Alvará F.C., que tem esse nome em alusão à permissão que seus integrantes tiveram de suas mulheres para poder jogar semanalmente das 20h às 21h, bem que poderia se chamar Ocorrência Futebol Clube, já que apenas um dos 16 amigos que estiveram na partida da última segunda nunca sofreu algum tipo de violência.
- Não fui assaltado. Também não tive nada meu roubado e, por isso, me considero um cara de sorte - diz o goleiro e repositor de mercadoria Ita Scherer Rodrigues, 30 anos.
Crise na Segurança: os relatos de quem foi vítima da violência
Entre os 16 amigos, 10 já foram assaltados - alguns, mais de uma vez -, quatro foram alvo de furto e um sofreu tentativa de furto, além de ter tido um funcionário vítima de roubo. Nesse caso, o criminoso levou o carro da sua empresa quando o empregado chegava no estabelecimento.
Todos os crimes foram cometidos em Porto Alegre, cidade que registrou somente nos primeiros nove meses de 2015 nada menos que 22,4 mil assaltos em geral, 6,9 mil roubos de veículos, 24 mil furtos e 3,1 mil furtos de veículos, conforme dados recentes divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP). Embora tenham sofrido ataques à mão armada, alguns dos atletas de segunda-feira nunca foram ouvidos pela polícia depois de registradas as ocorrências.
Conforme o diretor da Delegacia Regional de Porto Alegre, Cleber Ferreira, isso se deve à falta de efetivo da Polícia Civil, que prioriza casos mais graves. Mas ressalta que, praticamente, todas as vítimas de assalto são intimadas a prestar depoimento:
- Somos atropelados por ocorrências que chegam diariamente nas delegacias e não temos efetivo para atender a todas imediatamente. Algumas ocorrências vão para a fila e demoram um pouco para ser investigadas.
Leia, a seguir, as histórias de 15 vítimas da criminalidade em Porto Alegre.
Pedro Loureiro Cardoso Alves, 31 anos, advogado e atacante
"Um menino me assaltou na Avenida Carlos Gomes, à tarde, quando eu voltava para casa a pé. Ele estava me seguindo com um canivete. Quando percebi, atravessei a rua e ele atravessou também. Logo na frente, me abordou e mandou entregar tudo o que tinha. Não pude fazer nada. Só entregar. No meio do ano passado, meu carro foi arrombado. Estava indo jogar bola, mas, antes, estacionei em uma travessa da (Avenida) Goethe. Não deu 20 minutos quando voltei, e o vidro do carro estava quebrado. Também no ano passado, duas pessoas entraram duas vezes na minha casa e furtaram objetos como cortador de grama, rádio, algumas coisas que estavam em cima da mesa e até umas cervejas. Depois disso, dobramos o número de câmeras, arrumamos a cerca elétrica e aumentamos o muro."
Vinicius de Barros Neves, 33 anos, advogado e atacante
"Faz uns dois anos, mais ou menos, que saí de casa para ir a um barzinho na Cidade Baixa e tive meu carro arrombado. Era início da noite e fiquei umas duas horas longe do veículo. Deixei o carro em uma rua ali no bairro, não lembro o nome, e, quando voltei, o vidro estava quebrado e tinham levado rádio, estepe e um óculos. Tentaram abrir a porta, mas não conseguiram. A sensação que fica é de frustração total. Tu deixas o teu bem e quando retornas, a expectativa é de encontrar nas mesmas condições. Não é por estar estacionado na rua que precisa ser danificado, arrombado, estragado. Agora, procuro evitar ruas pouco movimentadas e escolho as que têm mais claridade, pessoas na rua, prédios..."
Clóvis Moraes de Almeida, 55 anos, porteiro e zagueiro
"Não lembro precisamente quando foi, mas era um sábado, por volta de meio-dia. Estacionei o carro na Avenida Sepúlveda, no Centro Histórico, e fui fazer algumas compras com minha mulher. Na época, era permitido deixar o carro ali. Quando retornamos, uma hora e meia depois, a Parati não estava mais lá. A Brigada Militar a encontrou no domingo à noite em Viamão, mas as rodas não eram as mesmas de antes, não tinha mais rádio... Foi um choque quando percebi que tinha sido roubado. Sou uma pessoa trabalhadora, que precisa suar para conseguir as coisas e, assim, do nada, acontece isso. É revoltante."
Alex Ramos de Freitas, 53 anos, comerciante, atacante e zagueiro
"Sofri um assalto à mão armada há um ano. Eu e um amigo estávamos saindo de um escritório da Avenida Pernambuco, eram umas 16h. Iríamos entrar cada um no seu carro, que estavam estacionados um atrás do outro, quando dois jovens encostaram as armas na gente, uma em cada um e disseram para entregarmos os carros. Deixamos levarem. Registramos ocorrência na polícia, mas nenhum dos carros foi encontrado. Meu amigo ficou sabendo que o carro dele foi utilizado para roubo a banco e outros crimes."
Claiton Camillo Pereira, 32 anos, motorista, goleiro ou atacante
"A única vez que fui assaltado faz uns 15 anos, quando roubaram umas fichas de ônibus que eu recém tinha comprado. Foi até engraçado, porque eu disse: 'Como vou voltar para casa agora?' E eles me devolveram uma ficha. Mas a minha sogra e a minha esposa foram assaltadas por dois motoqueiros no bairro Santo Antônio. Um estava armado e levou as bolsas delas e tudo o que tinha dentro. Isso faz quase um ano. Eram umas 20h. Eu vejo tanta coisa acontecendo por aí, tanta violência, que ando sempre ligado. Não descanso quando estou na rua. Fico atento a qualquer movimento suspeito. E acredito que eu tenha sorte. Afinal, hoje em dia pra não ser assaltado é preciso de sorte."
Alaor Veríssimo, 53 anos, advogado e zagueiro
"Capotei o veículo na Avenida Nilo Peçanha, perto da meia-noite. Não lembro exatamente a data. Esse tipo de situação, como é muito desagradável, procuro tentar esquecer. Mas, quando estava ali, dentro do carro, de cabeça para baixo e preso pelo cinto de segurança, ouvi vozes masculinas. Perguntaram se estava sozinho. Disse que sim. Até pensei que fossem me socorrer. Mas, na verdade, começaram a pegar tudo o que estava ao alcance. Celular, carteira, isqueiro, minha cigarreira. Não sei quantos eram. Fiquei perplexo. Passaram alguns minutos e ouvi outras vozes. Imaginei que eles tivessem voltado, mas vi o coturno preto e percebi que dessa vez era a Brigada Militar."
Cássio Ludwig, 26 anos, engenheiro e meio-campo
"Estacionei o carro em frente à obra em que trabalho (em 7 de janeiro deste ano, no bairro Petrópolis, na Capital), desci, fechei o carro e, quando olhei para trás, vi duas pessoas suspeitas vindo em minha direção. Entrei de novo no carro para tentar fugir, mas vieram correndo com as armas nas mãos e me abordaram. Vi que era assalto e já desci. Fui para a obra e vi eles saindo. Depois de uma semana encontraram o carro em Viamão, batido. Sempre tomei cuidado. O que aconteceu foi um lapso. Estava na frente da obra, com bastante gente na rua. Pensei que estava seguro."
Gamal Fernandes, 52 anos, comerciante e meia-atacante
"Era fevereiro do ano passado e estava com a minha esposa em um restaurante da (Avenida) Getúlio Vargas, por volta das 22h30min, quando entraram dois caras armados e mandaram que todos deitassem no chão e olhassem para a parede. Reviraram todo o restaurante, pegaram carteiras, joias, celulares de todo mundo. Foi horrível, uma sensação de pânico, de não poder fazer nada. Depois, na Avenida Carlos Gomes, estava saindo de uma revenda de carros. Conhecia a gerente de lá. Três pessoas entraram e anunciaram o assalto. Era o único homem lá dentro, então eles me chutaram, me chamaram de vagabundo. Levaram celulares, carteiras, relógios. Limparam a loja e fugiram a pé."
Maximiliano José Ludwig, 39 anos, empresário e atacante
"Estava chegando na minha residência, no bairro Santo Antônio, e abri os dois portões automáticos. Um é da rua e o outro da garagem. Quando os dois estavam fechando, vi que um cara veio rolando por baixo deles. Eram umas 20h30min. O cara ficou preso na garagem comigo, e não sabia o que fazer. Não sabia o que se passava na cabeça dele, se queria meu carro, se queria assaltar a casa. Apontando o revólver, me disse que queria levar o Focus. Me afastei, mas ele se atrapalhou todo com o controle do portão da garagem. Não conseguia abrir e pediu ajuda. Abri para ele. Na rua, se atrapalhou com o outro portão. Meu pai, que mora do lado, viu toda a movimentação e saiu para rua. O bandido deu marcha a ré arrebentou tudo e fugiu com comparsas que o esperavam. Recuperei o carro quase um mês depois, abandonado no Centro, mas estava com rodas e pneus diferentes e sem estepe."
Sandro Silva, 53 anos, empresário e meio-campo
"Moro em um condomínio fechado da Zona Sul. Temos vigilância 24 horas, ronda, câmeras de segurança, muro, cerca elétrica e, mesmo assim, há mais ou menos um ano, dois ou três elementos entraram em algumas residências. Era madrugada de sábado e estava todo mundo dormindo. Como é um local aparentemente seguro, muitas casas não têm muros. Alguns moradores nem chaveiam as portas. Eles (bandidos) levaram celulares, carteiras e outros pertences. Tentaram entrar na minha casa, mas não conseguiram. Estávamos eu e minha mulher. Não vimos nada, mas acho que nosso cachorro (que fica dentro de casa) começou a latir e, como estava tudo trancado, eles desistiram. Só vimos no outro dia as marcas no muro perto da piscina e na área de casa. Chamamos a polícia, registramos a ocorrência, mas nada foi descoberto. Também não foram recuperados os objetos."
Cláudio Cedenir da Silva Alves, 41 anos, consultor comercial e zagueiro
"Estava parado, com as portas destravadas, em uma sinaleira da Rua Marquês do Pombal. Tinha saído de um jogo do Grêmio, em 2008, era entre 23h30min e meia-noite. De repente, um rapaz entrou no banco de trás e me calçou com um revólver. Pensei que iria levar o carro, mas pediu as minhas coisas. O que tinha no bolso, foi tudo. Telefone, dinheiro, carteira. Outra vez, em Farroupilha (na Serra), deixei o carro estacionado e alguém entrou nele e fez a limpa: levaram o rádio e tudo o que estava dentro."
Marco Antônio Ribeiro, 50 anos, representante comercial e centroavante
"Tive dois carros arrombados. Uma vez estacionei na Avenida Benjamim Constant, na Capital, e, quando voltei, um vidro estava quebrado e levaram o rádio. Outra vez, a mesma coisa, só que em Imbé. Estava saindo da praia e quando cheguei deparei com o vidro do carro quebrado. Furtaram o rádio. A sensação é de descontentamento com o prejuízo. Mas tem de seguir, né? Vida nova, vidro novo e rádio novo. Há dois meses, foi a vez do meu filho ser alvo de bandidos."
Alexei Susin, 47 anos, engenheiro civil e meio-campista
"Estava chegando em casa sozinho, no Jardim Medianeira, na Capital, e fui assaltado às 17h de um domingo. Duas pessoas em um carro roubado estacionaram atrás e mandaram descer. Pelo menos uma estava armada. Disseram para eu encostar no muro e foram pegando carteira, celular, relógio. Até meus tênis levaram. Andaram com meu carro. Estava chegando de uma viagem a Gramado, e o carro estava carregado. O porta-malas estava cheio de malas com roupas. O que puderam, levaram."
Fernando Marques Menezes, 46 anos, empresário e centroavante
"Fui para a praia no Carnaval do ano passado aproveitar o feriadão. Fechei a empresa (na Capital) na sexta-feira e retornaria só na quarta para trabalhar, mas voltei de Imbé no sábado. Durante a madrugada, a empresa foi arrombada. Levaram computadores, televisores e notebooks. Na época, não tinha grade, apenas alarme. Depois disso, colocamos grades e cerca elétrica em toda a empresa e investimos em segurança privada."
Cristian Duarte da Silva, 22 anos, promotor de vendas e goleiro
"Estava correndo na (Avenida) Ipiranga, quase em frente à PUC, quando um homem armado me abordou dizendo que era um assalto. Eu disse para ele: 'cara, não tenho nada, só a chave de casa.' Ele atravessou a rua e saiu correndo. Isso foi há quase um ano, umas 21h. A gente convive com a violência diariamente e não há o que se possa fazer."