Os cinco desmanches irregulares que atuam na Avenida Sertório, em terrenos de propriedade da prefeitura de Porto Alegre, estão com os dias contados. A gestão municipal tomou a decisão de romper os contratos de locação após reportagem de Zero Hora mostrar, neste fim de semana, que os estabelecimentos vendiam autopeças ilegais, sem credenciamento no Detran e com mercadorias de origem desconhecida.
Também foram verificados problemas como ausência de nota fiscal, de alvará de funcionamento e, no último dia 16, uma ofensiva da Secretaria Estadual de Segurança Pública descobriu que a Barão Imports, uma das que alugam área municipal a preço baixo, estocava equipamentos de carros roubados. Deste estabelecimento, foram recolhidas 33,8 toneladas de peças sem procedência, todas encaminhadas à trituração.
Leia mais
Rio Grande do Sul tem 1,3 mil desmanches clandestinos
Comércio de peças usadas por ferro-velho terá maior controle
Desarticulada quadrilha que roubava quatro carros por semana em Porto Alegre
No fim de semana, o primeiro escalão da prefeitura discutiu uma reação. Ficou acertado que as secretarias da Fazenda, responsável pela cedência dos terrenos, e da Produção, Indústria e Comércio (Smic), encarregada da emissão de alvarás e fiscalização das atividades comerciais, farão uma operação nesta semana para fechar os pontos clandestinos, considerados aceleradores do roubo de carros – crime que mais cresce no Estado.
– Vamos fazer ação conjunta para verificar os alvarás e conferir se estão atuando de acordo com as novas regras do Detran (exige credenciamento e identificação online das peças usadas, além da emissão de nota fiscal eletrônica). Se tiver ilegalidade, não vamos compactuar – diz Eroni Numer, secretário da Fazenda em exercício.
Ante a nova legislação, todos os estabelecimentos estão irregulares, sem chancela do Detran. Dos cinco, apenas um, a Morí Car, tem alvará para comércio de peças novas, mas também vende usadas. Além da Morí, devem ter as atividades encerradas e os contratos de locação rompidos a Vip Peças, a Barão Imports – esta já fechada pela polícia –, a Lata Car e a CLP Autopeças.
"A prefeitura irá revogar todas as permissões de uso dos imóveis pertencentes ao município e que estejam sendo utilizadas por lojas de revendas de autopeças irregulares", diz nota oficial emitida neste domingo pelo governo José Fortunati.
Com a Vip e a Barão, a Fazenda já estava em processo de rompimento: a primeira por inadimplência e, a segunda, pela descoberta de que receptava peças roubadas. Os estabelecimentos irregulares deveriam estar fechados há seis meses, quando o Detran comunicou, via ofício, a entrada em vigor da nova lei. Dos cerca de 40 ferros-velhos da Sertório, apenas cinco estão dentro da legalidade.
Aluguel duplo
O secretário da Fazenda, Eroni Numer, fez contatos no final de semana com a família Weindorfer, proprietária da parte de trás dos terrenos onde funcionam os desmanches. É uma situação complexa: as áreas da frente, que encontram a Avenida Sertório, pertencem à prefeitura – os Weindorfer doaram ao município na década de 1970 para a abertura da via. A área traseira ainda pertence à família, que também aluga para as autopeças. Os ferros-velhos pagam aluguel para ambos, mas o valor repassado à prefeitura chega a ser quatro vezes inferior se comparado à taxa cobrada pelo proprietário da parte de trás.
– A família me disse que quer retirar todos, que está revogando os contratos de aluguel. Pedi que ele me envie as rescisões. É mais um motivo para fazermos o rompimento do contrato com a prefeitura, já que as lojas não terão mais a posse da área de trás – explicou Eroni.
Alexandre Weindorfer, um dos donos dos terrenos, diz que a intenção é revitalizar a região. Ele alega cláusula de sigilo com o futuro locatário para não dar detalhes, mas um investidor teria acordado a locação dos terrenos para construir campos de futebol e locais de lazer:
– Estamos aguardando só as licenças do município. Já temos ações de despejo para retirar alguns. Infelizmente, não temos como controlar o que eles fazem. Apenas alugamos através de imobiliária.
Entenda o caso
A prefeitura é dona de terrenos na Avenida Sertório que estão reservados à duplicação da via. Enquanto a obra não ocorre, eles foram alugados pelo município para desmanches que atuam na região há décadas. Na origem, eram invasores da área, e a prefeitura passou a cobrar taxas.
- Em dezembro de 2015 foi sancionada pelo governador José Ivo Sartori a nova lei de controle dos desmanches de carros. Só é autorizado o comércio de peças usadas em estabelecimentos credenciados pelo Detran. Todos os produtos devem ser cadastrados em sistema online e vendidos com uma etiqueta de identificação com código de barras.
- Nos terrenos alugados pela prefeitura, funcionam cinco desmanches clandestinos. Nenhum deles está credenciado pelo Detran. Também não contam com alvará de funcionamento.
-Na Barão Imports, foram encontradas peças de carros roubados. Na Morí Cara e na Lata Car, a reportagem conseguiu comprar peças de procedência desconhecida.
-Após a publicação da reportagem de ZH, neste domingo, a prefeitura decidiu romper os contratos com as lojas de autopeças irregulares.
Pente-fino em todos os contratos
Nem só para desmanches a prefeitura aluga terrenos em Porto Alegre. No total, são 87 áreas cedidas para oficinas mecânicas, revendas de carros, transportadoras, postos de gasolina, bancos, borracharias, lancherias, fruteiras, bares e garagens. Também há casos de cobrança de aluguel por faixas de terrenos ocupadas por residências.
A arrecadação bate nos R$ 132 mil mensais. Como há casos em que os aluguéis podem estar abaixo dos valores de mercado, a prefeitura anunciou que fará um pente-fino em todos os contratos de permissão de uso.
"Além de cassar todos os alvarás que não estão de acordo com as atividades, a Prefeitura fará a revisão de todos os termos de permissões", diz a nota oficial emitida pela prefeitura de Porto Alegre.