Recentemente em Faridkot, na Índia, uma fila de picapes saiu de uma estrada de terra na Punjab rural, passando ao lado de carros de boi e agricultores com seus cajados, parando em frente a um campo. Os funcionários foram até a traseira dos carros para tirar com toda o cuidado os animais que todos tinham ido até lá para ver.
Eram galgos vindos do Canadá, da Irlanda e da Inglaterra, além de alguns vindos dos Estados Unidos. A pista de terra escondia o investimento colossal representado por aqueles cães, muitos dos quais vivem em canis com ar-condicionado e são alimentados com leitelho e frango.
Os cães são animais muito importantes nessa parte de Punjab, a cerca de 32 quilômetros da fronteira com o Paquistão. O mesmo vale para uísques de malte único, competições de tiro e picles de javali. Os guardiães dessas tradições são vistos sentados em fileiras de cadeiras organizadas em frente à linha de chegada: proprietários de terra sikhs que, apesar das tentativas do governo indiano de desmantelar o sistema feudal, mantêm vivo o estilo de vida dos marajás e dos nawabs do passado.
Uma das pessoas mais importantes entre eles, Kushaldeep Singh Dhillon, acompanhava na pista o trote firme de uma cadela de 17 meses chamada Baby Doll. Muitas vezes era difícil fazer isso com tantos jovens vindo até ele e se ajoelhando para tocar seus pés.
- Todas as grandes famílias gostam de cães. Nós importamos os melhores cães. Temos os melhores tratadores. Não são os cavalos, nem os cachorros que competem, O que está em jogo é o nome da família - afirmou Dhillon, conhecido como Kiki.
Dhillon estima que os melhores galgos custem cerca de meio milhão de rúpias (cerca de US$7.500). Isso é uma fração do preço de um garanhão Marwari, uma espingarda Perazzi ou uma viagem de caça à África do Sul, mas ainda assim é uma atividade importante.
- Poucas famílias se aventuram nessa área, para ser sincero. É uma coisa meio cara. Os cães, o tratamento - afirmou.
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Os treinadores chegam antes, colocando cobertores grossos sobre o chão para proteger os galgos, que se machucam com facilidade. Então chegam os donos dos cachorros, fáceis de reconhecer por suas roupas quadriculadas, óculos Gucci, sempre caminhando em filas de primos em forma de V, como se fossem gansos.
Muitas famílias ricas da região são donas de redes de postos de gasolina nos Estados Unidos ou no Canadá, e a maioria tem parentes nesses países. Um homem imponente, que na verdade era um policial, explicou sem titubear: "Estou trabalhando como pistoleiro para Kiki Dhillon. Meus sogros vivem em Modesto, na Califórnia".
Mesmo sem o benefício de um cargo político eletivo, os líderes das velhas famílias servem como um tipo de governo paralelo. Dhillon é um excelente exemplo. Embora tenha perdido a última eleição para o parlamento, ele ainda passa várias horas por dia recebendo a visita de pessoas que esperam no terraço de sua casa, expondo seus problemas e pedindo para que ele resolva disputas. Essas pessoas o chamam de "sardar", algo parecido com "cacique".
- O comunismo nunca ganhou força no Norte da Índia - contou. A família de Dhillon é dona de ônibus interestaduais e do comércio de bebidas alcóolicas da região, mas ele passa a maior parte de seu tempo fazendo política. Ele tem quatro aparelhos de telefone, dois dos quais ficam sempre em posse de sua secretária particular, e a cada cinco minutos eles voltam a tocar, mesmo quando ele está cavalgando.
- O principal trabalho do político não é o de fazer leis, mas de cumprir funções sociais. As mortes são muito constantes - contou com ar preocupado.
As corridas de cachorros são uma fuga dessa rotina. Um homem gira uma manivela, o coelho é puxado ao longo da pista com a ajuda de um cabo e dois cães partem a toda velocidade, com a coluna se dobrando como verdadeiras molas. A poeira se ergue entre os homens que acompanham a corrida: agricultores com rostos enrugados; donos de postos de gasolina em Nova Jersey; um príncipe de óculos de aviador que diz alegremente ser "o tipo de cara que, se você entregar US$100 mil na minha mão, garanto pra você que em dois ou três dias já gastei tudo".
Dhillon, sentado atrás do juiz da corrida, contava um pouco mais sobre seus cães. Seu favorito, Messi, embora seja "incrivelmente rápido", parecia ter perdido o entusiasmo depois de perceber que o coelho era mecânico. Ele culpou seus treinadores por deixarem a irmã de Messi, Smarty, que ele considera "a cadela mais rápida de Punjab", cansada demais com os treinamentos. Além disso, instruiu os treinadores a aumentarem o peso do terceiro irmão, Ronaldo, para 3,2 quilos.
No fim das contas, os maiores prêmios do dia foram para os cães de dois punjabis que vivem na América do Norte; um deles, um engenheiro elétrico, vive nos arredores de Detroit e correu com um cachorro da Virgínia Ocidental. De volta à varanda de casa, Dhillon contou que já havia se habituado ao desapontamento; no ano passado, estava se preparando para viajar à Irlanda para um campeonato no qual os cachorros correm atrás de um coelho vivo, mas seu cachorro quebrou a pata durante o treinamento e teve de ser sacrificado.
- Eles são feitos de vidro, nunca dá pra saber quando vão quebrar. A gente se esforça tanto e depois de duas corridas eles quebram e não prestam mais - afirmou.
De toda forma, as perspectivas de futuro eram ótimas. As autoridades em algumas regiões de Punjab consideram os javalis uma praga. Isso permite que os caçadores levem os javalis para dentro de canaviais e soltem matilhas de seis cachorros para afugentá-los, esperando do lado de fora com espingardas. Um amigo que veio para a corrida de cães se ofereceu para enviar um casal de perdizes-cinzentas, e o rosto de Dhillon se iluminou.
- Me dê um casal de pavões brancos. Adoraria vê-los passeando por aqui - respondeu.
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