Na estrada de chão batido, sentadas em um banco de madeira improvisado sob a sombra de uma árvore, Natasha dos Santos Vogt, nove anos, e a irmã Ana Caroline, 11, costumam esperar o ônibus que as leva para a Escola Estadual Professor Alcides Conter, em São Jerônimo, na Região Carbonífera. Essa cena, que se repete dia após dia durante o período de aulas, precede as brincadeiras com colegas entre um sacolejo e outro do veículo.
Porém, em 2016, elas não sabem quando o silêncio da rua quase desértica do assentamento Jânio Guedes, área rural do município, será rompido pelo barulho do coletivo escolar. Isso porque o convênio entre Estado e prefeitura - que lhes garantia o deslocamento - não foi renovado, colocando em risco os primeiros dias de aula das irmãs e de outros 221 alunos da rede estadual do município.
A incerteza repete-se em mais 16 cidades no Estado que também se negaram a fechar novo acordo com o governo, alegando que a verba repassada por meio do Programa Estadual de Apoio ao Transporte Escolar (Peate) às prefeituras, para execução do serviço, não cobre nem 50% das despesas - a decisão afeta 6.537 estudantes. As dificuldades que batem à porta do Palácio Piratini junto à largada do ano letivo não se resumem ao transporte dos estudantes. Há ainda que resolver uma possível falta de professores, estimada pelo Cpers-Sindicato em pelo menos 600 profissionais, pois o quadro docente de abril de 2015 tinha 3,4 mil professores a mais do que o atual.
- Quando o ano letivo de 2015 começou havia quase 78 mil professores nomeados no Estado. Seis mil saíram, e nem todas as vagas foram repostas - diz a presidente do Cpers, Helenir Schürer, ressaltando que em agosto do ano passado ainda havia estudantes sem aulas de química e física.
O secretário estadual da Educação, Vieira da Cunha, reconhece a possibilidade de problemas pontuais, mas salienta que a maioria das 6.259 vagas desocupadas ao longo de 2015 estão sendo supridas neste ano com 496 nomeações de concursados, 1.448 contratações emergenciais e "organização e gestão rigorosa de recursos humanos."
O governo ainda terá de lidar com a paralisação convocada pelo Cpers no primeiro dia de aula, hoje, quando os professores, retomando a luta pelo reajuste salarial e outras demandas, prometem fazer protesto pelas ruas de Porto Alegre. O sindicato orienta as 2.567 escolas estaduais a não abrirem. O secretário sugere que os pais levem seus filhos para os colégios.
- Estamos pedindo que os diretores atendam à comunidade - diz Vieira da Cunha.
Além disso, ele garante que serão cumpridos os 200 dias letivos exigidos pelo Ministério da Educação e destaca que o reajuste exigido pela classe é "impensável diante do cenário financeiro" atual. No meio desta queda de braço estão pes­soas como a agricultora Maria Adelaide Vogt, 51 anos, avó das irmãs Natasha e Ana Caroline, citadas no início deste texto.
- Se não tiver ônibus nem aula, vai ser horrível. Não temos como levar elas para a escola. A Natasha ainda perguntou esses dias quando as aulas começariam - conta a avó, revelando o interesse da menina pelos estudos.
Greve de três dias a partir de 15 de março
O Dia Nacional de Paralisação na Educação ocorre hoje, data de início do ano letivo na rede estadual de ensino. O Cpers-Sindicato sugere que nenhuma escola abra as portas e que pais, alunos e educadores participem da manifestação pelas ruas centrais de Porto Alegre. A concentração está marcada para as 13h30min, no Largo Glênio Peres, de onde sairá uma caminhada até o Palácio Piratini.
Lá, está previsto um evento chamado de Aula Cidadã, espaço, conforme o sindicato, para a sociedade debater com palestrantes assuntos relacionados a segurança, saúde e educação. Também está acertado que nos dias 15, 16 e 17 de março haverá greve dos professores estaduais. Uma assembleia, no dia 18, irá definir a continuidade ou não do movimento.
A luta dos professores continua sendo, entre outras demandas, pelo piso nacional fixado em R$ 2.135. Como um professor iniciante no Estado recebe do governo hoje R$ 1.260 por 40 horas, seria necessário reajuste de 69,44% para atender à demanda.
- Não temos mais condições de sobreviver. A gente entende a situa­ção pela qual passa o Estado, mas o governo tem de nos dar alguma luz - afirma Helenir Schürer, presidente do Cpers.
O último reajuste salarial dos professores ocorreu em novembro de 2014, quando o vencimento passou de R$ 1.108,16 para os atuais valores. Para amenizar os prejuízos e cumprir a lei, o governo concede desde abril de 2012 - devido a uma ação civil pública - pagamento extra chamado de completivo, repassado mensalmente aos professores que não ganham o piso nacional, estipulado pelo Ministério da Educação.
Os reajustes anuais, como os de 2015 (13,01%) e de 2016 (11,36%), incidiram apenas no completivo e não serviram de base de cálculo para vantagens e benefícios, não repercutindo no salário nem no escalonamento de classes e de níveis.
Estudo aponta perda R$ 80,3 milhões às prefeituras
Pesquisa feita pela Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) constatou que 85% das prefeituras, juntas, têm prejuízo de R$ 80,3 milhões por ano com o transporte escolar no Estado. O estudo, realizado entre agosto e outubro de 2015, contou com a resposta de 380 dos 481 municípios integrantes do Programa Estadual de Apoio ao Transporte Escolar (Peate) em 2014 e mostrou a insatisfação dos prefeitos com os recursos repassados pelo Palácio Piratini para manter o serviço.
Naquele ano, os municípios tiveram de dividir R$ 98 milhões, cedidos pelo governo, para transportar os estudantes da rede estadual. Esse montante representa investimento médio de R$ 630 para cada um dos 155 mil alunos do Estado. No entanto, o valor efetivamente gasto pelas prefeituras foi de R$ 1.161 por aluno, totalizando despesa de R$ 178 milhões em 2014, segundo a Famurs.
No ano passado, o investimento foi de R$ 105 milhões, valor também considerado baixo pela entidade. Para 2016, a federação propôs acréscimo de R$ 80 milhões, mas a emenda não foi aprovada na Assembleia Legislativa. O valor acertado, então, ficou em R$ 115 milhões.
Municípios que oficializaram rompimento
- Arroio Grande, Cacequi, Cachoeira do Sul, Candiota, Canguçu, Carazinho, Encruzilhada do Sul, Gravataí, Jaguari, Lagoa Vermelha, Pinheiro Machado, Quaraí, Restinga Seca, Santo Ângelo, São Jerônimo, São Lourenço do Sul e Tupanciretã.
- Ao todo, afeta 184 escolas e 6.537 estudantes.