Histórica, a tempestade que danificou milhares de árvores, causou prejuízos a residências e automóveis e interrompeu o abastecimento de água e luz em Porto Alegre, no último dia 29, provocou também mudanças no comportamento da população diante de alertas meteorológicos de novos temporais. A possibilidade de chuva intensa e ventos de até 100 km/h nesta terça-feira, divulgada desde a véspera pela Defesa Civil, evidenciou que os moradores, temerosos de mais estragos e privações depois de duas tormentas em menos de duas semanas, já incorporaram mudanças à rotina.
Nas redes sociais, usuários compartilharam entre seus contatos o aviso da possibilidade de outro susto. Jizara Sffair, 68 anos, do bairro Passo D'Areia, publicou vídeos no Facebook prevendo chuva forte e mostrando a virada do tempo na Capital. Tentando se prevenir melhor desta vez, vizinhos do prédio trocaram informações.
Leia mais
Chuva deixa moradores de Porto Alegre em alerta
Recomeça processo de reflutuação do Cisne Branco em Porto Alegre
Prejuízo causado pela tempestade já chega a R$ 30 milhões
– Cada vez que falam em temporal com trovões, raios e ventos, fico apreensiva, me dá frio na espinha. Fiquei traumatizada – conta a aposentada.
Depois de três dias sem água e sem energia elétrica no final de janeiro, Jizara se tornou mais precavida. Na terça pela manhã, encheu dois baldes e quatro panelas com água. Às 13h, quando o céu já havia clareado, ela ainda não havia esvaziado os utensílios. Preferiu aguardar até estar plenamente segura de que a reserva não seria mesmo necessária.
– Aquele temporal pegou todo mundo de calça na mão – justifica.
Moradora do 20º andar de um edifício com ampla vista para o rio, no Centro, a empresária Sílvia Rachewsky, 56 anos, também está mais cuidadosa. Antes de viajar para a praia, desconectou eletrodomésticos e eletrônicos das tomadas. Quando soube da aproximação da tempestade desta terça, ligou para a mãe, em Porto Alegre, pedindo que verificasse se portas e janelas estavam bem fechadas. No momento do temporal, já de volta à Capital, Sílvia tranquilizou uma das filhas por WhatsApp: "Não vai dar nada. Deu até para ir à janela e não sair voando", brincou. Quando há rajadas frontais, relata a empresária, os vidros do alto do prédio parecem se curvar com a força do vento.
– O que me assusta mais é a proximidade entre um temporal e outro. Tivemos em outubro, em janeiro, hoje. Será que daqui para a frente teremos isso com muita frequência? Daqui a pouco teremos tornados, que nem nos Estados Unidos? O que está acontecendo? O que estamos fazendo com o planeta? – inquieta-se Sílvia.
Para o fotógrafo Sérgio Ordobás, 53 anos, o vendaval de 11 dias atrás também mudou sua postura em relação a eventos climáticos mais severos. Na manhã de terça, Ordobás fotografava próximo à Fundação Iberê Camargo quando a chuva intensa e a ventania começaram, trazendo à memória o medo daquela noite de janeiro. Via Twitter, com imagens da orla do Guaíba sombreada por nuvens espessas e escuras, externou seu desassossego: "O temporal me pegou na rua. Coisa muito feia", escreveu.
– Toda vez que chega um alerta ou vejo que está se armando um temporal, fico naquela apreensão – revela.
Jaime Alberto Betts, psicanalista, explica que eventos de intensidade extrema _ episódios da vida pessoal ou manifestações de força da natureza –são traumatizantes. Qualquer menção a uma possível repetição desse trauma pode causar pavor, remetendo a pessoa àquela situação que ultrapassa suas possibilidades. Mas ocorrências climáticas de grande impacto, ressalta Betts, também permitem que despontem sensações e ações positivas.
– Vemos com muita frequência o ser humano mostrando o que tem de melhor: solidariedade, mutirões. São pessoas na rua limpando, ajudando, colocando a casa à disposição. Nos identificamos com quem está passando pela situação, sabemos da importância que isso teria se estivéssemos no lugar do outro. Esse tipo de coisa ajuda a criar laços – comenta Betts.
O psicanalista Robson de Freitas Pereira lembra que Sigmund Freud, pai da psicanálise, apontou a relação com a natureza como uma das três fontes permanentes de mal-estar para o homem – as outras duas são a relação com o próprio corpo e a relação com os semelhantes. Trata-se, portanto, de um exercício previsível no dia a dia, ao qual temos de nos submeter. O temor excessivo de temporais merece atenção no momento em que alguém experimenta um nível elevado de angústia mesmo quando a severidade de fenômenos anteriores não se repete, afirma Pereira.