Não há certeza sobre a natureza do fenômeno que varreu Porto Alegre na noite de sexta-feira, com epicentro nos bairros Menino Deus e Praia de Belas, mas já se sabe que foi um evento climático de rara violência, com potencial para ficar marcado na memória da cidade.
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Uma das hipóteses mais prováveis é que tenha sido uma microexplosão, espécie de vendaval de alta virulência que pode se desprender de algum ponto de uma tempestade, causando estrago em área com raio de alguns quilômetros. O Sistema Metroclima, que levantou a hipótese, estimou em mais de 150 km/h a velocidade das rajadas na área mais atingida, embora a medição oficial tenha sido de 119,6 km/h.
Uma definição mais clara sobre o fenômeno deve ser conhecida em breve. Para as 10h desta segunda-feira, está prevista uma conferência entre os meteorologistas do 8º Distrito de Meteorologia, de Porto Alegre, e profissionais que atuam na sede do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Eles vão tentar determinar o que derrubou árvores, quebrou postes e destelhou edificações em um grau sem precedentes na história recente da Capital. Um dos defensores da hipótese da microexplosão é Francisco Aquino, professor de climatologia do Departamento de Geografia da UFRGS. Ele observa que a área de destruição estendeu-se por cerca de quatro quilômetros, do Guaíba em direção à Avenida Ipiranga. Outras áreas, como a Zona Norte, ficaram incólumes. Esse evento violento localizado, dentro de uma tempestade de grandes dimensões, seria indicativo de microexplosão.
- Isso é compatível com ventos capazes de cortar postes e quebrar janelas. O diferencial foi uma instabilidade elevada, garantida pelo calor e pela umidade, e o contraste de temperatura dentro da nuvem, o que permitiu a microexplosão - diz Aquino.
Os órgãos oficiais de meteorologia apontaram a severidade da tempestade, mas sem citar um fenômeno específico desprendendo-se dela. A pedido de ZH, Alan Calheiros, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), analisou dados e imagens e identificou um sistema convectivo de mesoescala, com nuvens de grande desenvolvimento vertical, que teria encontrado na região de Porto Alegre combustível para se intensificar. Maria das Dores de Azevedo, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), afirma que não foi um evento localizado e associou o ocorrido ao avanço de uma frente fria. Essa frente deve ser um dos temas debatidos na conferência agendada para esta segunda-feira.
- Estamos em discussão para definir o que aconteceu, porque é um fenômeno que não dá toda hora. A discussão é se foi uma frente fria que se associou - diz o meteorologista Gil Russo, do 8º Distrito de Meteorologia.
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Prever um evento extremo como esse é considerado difícil. Calheiros observa que, horas antes, o CPTEC alertou para a a possibilidade de temporal com "muitos raios e rajadas de ventos", mas que para determinar exatamente quando e onde as manifestações mais violentas poderiam ocorrer seriam necessários radares, imagens de satélite mais frequentes e modelos numéricos de maior resolução que só agora começam a ser testados pela instituição. O professor Aquino lembra que aeroportos estão capacitados a identificar uma microexplosão com minutos de antecedência, a tempo de abortar um pouso ou uma decolagem. No entanto, é algo desafiador, em qualquer parte do mundo, fazer uma previsão com folga suficiente para permitir a preparação de uma cidade.
Microexplosões ocorrem com alguma frequência no Estado. Nos últimos anos houve alguns casos na Região Metropolitana. A Capital também sofreu tempestades de potencial destruidor semelhante. Em outubro passado, por exemplo, foram medidas rajadas de 116 km/h. Recuando mais no tempo, para janeiro de 1995, a cidade sofreu uma evento tão intenso que ele foi qualificado como "tufão" por ZH. A Capital amanheceu devastada, com mais de 600 árvores tombadas. Viajando mais cem anos para trás, é possível encontrar nos relatos do francês Auguste de Saint-Hilaire um evento similar ao de sexta: ele narra como, depois de um dia escaldante, Porto Alegre foi tomada por raios e um "furacão" de oito minutos, que derrubou paredes e arrancou telhados.