O maior desastre ambiental da história do país completou três meses no último dia 5, e o Brasil não tem conclusões oficiais a respeito do rompimento de barragem em Mariana (MG). Um relatório sobre as causas ainda está sendo fechado, mas a prioridade do governo federal, neste momento, é assinar um acordo com as empresas responsáveis para que a recuperação da região comece o mais breve possível.
À frente dessas negociações, está uma bióloga, doutora em Planejamento Ambiental, que comanda o Ministério do Meio Ambiente há quase seis anos. Izabella Teixeira lidera esse caso, ao lado da Advocacia-Geral da União, e reconhece que não tem tempo a perder:
- A melhor saída é o acordo. Não podemos ficar anos com um processo na Justiça. Aquelas pessoas não podem esperar.
Zero Hora conversou com a ministra em seu gabinete, na Esplanada, para saber o que está sendo feito para mitigar os prejuízos. Nascida em Brasília, com leve sotaque carioca (que denuncia os anos vividos no Rio), a ministra está longe do estereótipo do ambientalista radical. Embora não seja filiada a qualquer partido, tem traquejo político e faz questão de estar aberta ao diálogo com diferentes setores. É com conhecimento de causa que, nesta entrevista, cobra maior engajamento dos gaúchos na aplicação do Código Florestal.
Qual foi a sua primeira reação ao deparar com a tragédia de Mariana?
Muita dor. São imagens fortes. Quando vi a primeira vez... é tudo horrível. Quer pela degradação, quer pela dor das pessoas. É como se tivessem roubado a situação de vida daquele povo, como um terremoto ou uma guerra civil. É o maior desastre ambiental do país, não há dúvidas. E tudo terá de ser reconstruído. O que ocorreu não pode ser esquecido e não pode ser judicializado. Não podemos perder anos com um processo na Justiça, sem solução para aquelas pessoas.
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Quando começa a recuperação na prática?
A gente não pode achar que as respostas vão ficar no tempo. É preciso começar imediatamente a recuperação. Temos ações coordenadas com Estados e municípios e encaminhamos uma ação civil pública com base em avaliação preliminar do Ibama, com estimativa de indenização de R$ 20 bilhões. O juiz deu ganho em primeira instância. Então, as empresas (Samarco, Vale e BHP) procuraram o governo para fazer um acordo. E é isso que queremos. Começamos pela estrutura de governança, para ver quem vai gerir a recuperação. Não podemos vincular isso a mandatos, tempos de governo, precisa ser um agente independente, uma fundação. Estamos vinculando isso à sociedade, ao comitê de bacias, aos municípios. A segunda coisa é a ideia de um fundo, e a terceira, a estratégia de recuperação com conteúdo técnico.
A previsão com toda a operação é de R$ 20 bilhões?
É uma referência. Não estamos dizendo que vá custar esse valor. O que queremos é estabelecer os indicadores de qualidade para a bacia e o que tem de ser entregue pelas empresas. E posso afirmar: o acordo será assinado ainda em fevereiro.
Esse plano está pronto?
Estamos discutindo para poder fechar o acordo. E, obviamente, depois a fundação responsável pela governança vai detalhar. Queremos que o plano fique pronto ainda em fevereiro. A parte legal está sendo conduzida pela AGU (Advocacia-Geral da União), mas tem a parte institucional. A bacia precisa ser recuperada, há necessidade de recuperação das nascentes para a recarga do rio. Além disso, é preciso investimento em saneamento. Como é que você quer conseguir colocar peixe, recuperar as condições do rio, se joga o esgoto ali?
Quanto tempo para a recuperação mínima da região?
A gente estima em 10 anos para as condições consideradas básicas. Se você tem 5 mil nascentes para serem recuperadas, que tenha 5 mil nascentes recuperadas e todas protegidas.
Esse prazo vale para as comunidades também?
Quanto tempo levará para que a água, as condições do rio estejam no enquadramento perfeito? O comitê de bacias tem o plano de revitalização do Rio Doce. Tive de apresentar à ONU medidas para mitigar os efeitos. Vamos ter de recuperar aquilo. É difícil falar que vai levar 20 anos, 25 anos, porque tem uma coisa intangível que se chama natureza. O rio já estava degradado, a bacia já vinha com processo de degradação.
O que garante que as empresas vão cumprir esse acordo dentro de um prazo razoável?
Na hora que assinarem, o acordo é legal, tem de cumprir. A Samarco disse que vai alocar os recursos e as outras duas empresas (Vale e BHP) entram como garantidoras, se ela não tiver condições de colocar todos os recursos.
Faltou fiscalização, foi irresponsabilidade da empresa ou as duas coisas?
Não sabemos ainda. Não posso dizer o que aconteceu porque não tenho o relatório de causas. O nosso pessoal, especialista em barragem, diz que, normalmente, não é uma causa só. Pela lei, a responsabilidade de coordenar as ações e as fiscalizações em última instância das chamadas barragens de rejeitos é do Departamento Nacional de Produção Mineral (órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia). Antes disso, o Estado autoriza a barragem.
Haverá mudança na legislação que autoriza construção de barragens?
Estamos avaliando a legislação de crimes ambientais, se as medidas que são colocadas são suficientes, em valores de multas etc. Vamos aguardar o relatório de licenciamento de Minas Gerais. Enquanto não tivermos isso, não vou falar "ah, foi insuficiente". As pessoas na imprensa falaram de abalo sísmico, outros de trincas, rachaduras, outros da carga adicional de rejeitos vindo do negócio da Vale...
Com os dados que já existem à disposição do governo, a senhora não imagina o que possa ter provocado o rompimento da barragem?
Não, não arrisco dizer. Até porque não entendo nada disso. Pedi para um especialista me explicar, não sou engenheira. Aqui não é mapa astral. As pessoas gostam de fazer muito isso, às vezes, de jogar para a plateia. Você ganha uma grande projeção porque todo mundo fica falando, falando, depois ninguém resolve.
A senhora já se manifestou contra a judicialização do processo...
O acordo é para viabilizar a recuperação ambiental e não uma judicialização de 20 anos. Esse acordo será legítimo porque trará a expertise técnica, trará engajamento das três empresas, arranjo de governança, controle independente. Terão de contratar um especialista para comandar, e certamente haverá a verificação e o acompanhamento do Ministério Público. Isso tudo está em construção. Torço para que dê certo, porque prefiro ter um caminho que a gente possa recuperar - e vai levar tempo - do que ter um caminho de 20 anos de judicialização. Aquele povo não pode esperar. O Brasil tem de ser um país que vive de soluções. Quem gosta de problemas é psicanalista e terapeuta. Gestor gosta de soluções.
Por falar em solução, o que foi mais difícil no considerado histórico acordo pela redução de emissão de gases, fechado em Paris, em dezembro?
O mais difícil é você colocar 196 países juntos, falando a mesma linguagem e concordando, porque tem de tudo. O desafio para Paris era convencer a todos das soluções. Esse era o X da questão. Até onde você pactuava para ser possível que todos estivessem a bordo. Paris é uma construção de natureza política que não aconteceu só em 2015, ela vem sendo montada desde 2010, 2011, 2012...
O Brasil teve papel importante e reconhecido no acordo. A senhora saiu satisfeita?
Saio muito cansada, porque dormi em média três horas por noite em 17 dias. Mas saio muito feliz. Primeiro, pelo reconhecimento do esforço da sociedade brasileira para ter uma solução para o clima. É óbvio que o ministro tem um papel importante. Sou técnica e inquieta, estou nisso há seis anos. Lembro que, quando fui assinar o acordo de Paris, liguei a música dos Tribalistas (Já Sei Namorar), antes de entrar em plenário. A delegação do Brasil toda dançando, felicíssimos, pois sabíamos que teríamos o acordo.
Os compromissos assumidos pelo Brasil - redução de desmatamento e mudança da matriz energética - são factíveis?
São. No caso do Brasil, quando você fala de clima, fala basicamente de dois grandes fatores: uso da terra e processos energéticos. Se você olhar as emissões globais em grandes números, 26% são associadas ao uso da terra. Os outros três quartos estão ligados à energia e a processos industriais.
O Brasil é um país que leva vantagem. Sempre digo: se Deus foi tão generoso com o Brasil, certamente, deve ter sido ambientalista! Ofereceu os recursos naturais para esse país, do solo às fontes energéticas renováveis em abundância. É óbvio que a nossa matriz energética comparativamente a outros países é muito avançada. Às vezes, as pessoas não têm noção disso. Mas estamos fechando um estudo sobre as emissões que esclarecerá melhor essas questões.
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Como será esse estudo?
Será sobre as emissões do Brasil, um histórico. Vamos mostrar o que o Brasil contribui historicamente para as emissões globais, para o chamado aquecimento global. O professor Luiz Gylvan Meira Filho (professor da Universidade de São Paulo, referência em mudanças climáticas) divulgou que não representa 3% das emissões globais. Não quer dizer que a gente não esteja emitindo. É natural, está crescendo, aumentando a população, tem de emitir. O Brasil é um país hoje que tem a matriz energética em torno de 40% de energia renovável. Nenhum país do mundo tem isso. A proposta é ampliar isso, chegando em 2030 a 45% e, em 2040 a 2050, a 50%. Sendo que na questão de fóssil há uma forte indicação de gás, ou seja, tirar os combustíveis fósseis, tipo óleo diesel, óleo combustível, carvão, que emitem muito, para colocar aquilo que emite menos. Do outro lado, plantar árvores para virar sumidouro.
Qual a estratégia para implementar essas medidas?
Não dá para ser o país com a maior extensão florestal do mundo e termos papel muito pequeno do ponto de vista de geração de emprego, produção econômica, contribuição para o PIB e de exportação com relação à indústria florestal. Exceto a condição da celulose, na qual somos campeões, precisamos de uma estratégia tecnológica e de financiamento para que a indústria florestal faça parte do PIB brasileiro, que dê dinheiro, gere emprego, riquezas, desenvolvimento regional. Não é só salvar a natureza, é fazer da natureza um aliado para a qualidade do seu desenvolvimento. É mudar a lógica. Isso que a gente chama de baixo carbono.
E o impacto da agropecuária?
A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, ofereceu as metas de restauração de pastagem porque isso vai favorecer o agricultor, vai ter mais produtividade, dinheiro e proteção na terra dele. A Embrapa desenvolve tecnologias para a produção de alimentos com menor emissão. Não interessa ter uma agricultura que vilaniza. Prefiro ter novos mercados porque protegemos o meio ambiente. A ministra está certa quando fala que temos de ser mais competitivos a partir da proteção ambiental. O mesmo ocorre com o biocombustível. Sinalizamos com metas ambiciosas de voltar ao etanol de segunda geração e outras trajetórias de biocombustíveis. Diferente daquele discurso quando assumi aqui em 2010, que o meio ambiente estava vilanizando a produção e o desenvolvimento do país, o acordo de Paris mostra o contrário. Vamos usar isso como um ativo de construção da nova base de desenvolvimento sustentável do país.
A senhora fala em sustentabilidade, protagonismo do Brasil em negociação de baixo carbono, transformação na produção e geração de energia, mas o país não consegue colocar em dia nem a rede de esgoto, com saneamento básico. Em Florianópolis, por exemplo, as praias do centro estão condenadas por causa do esgoto. Não é um baita problema ambiental?
É um tremendo problema ambiental. É um problema de qualidade de vida. A sociedade brasileira precisa entender que políticas públicas devem estar voltadas para qualidade de vida, bem-estar, o mundo todo está disputando bem-estar. O que se investe em esgoto no país é baixo. E isso precisa ser resolvido. Há dinheiro, mas a capacidade de realizar, de entregar, de trabalhar pelos resultados... Você tem de pactuar resultados. O prefeito tem de fazer o que a sociedade demanda. Quem gosta de abrir a porta e ver um esgoto dentro do seu rio? Só que tem de ter a consciência que é o seu esgoto. Então, é fácil dizer que isso é problema do prefeito, que você elegeu. Você também tem de cobrar.
De que maneira?
Não consigo entender que se faça passeata para a mudança do clima, como se faz no Rio de Janeiro, mas acham natural uma pessoa que mora na Baixada Fluminense ter de pegar um ônibus de quatro horas para ter acesso a uma praia. Ele teria praia na porta da casa se a Baía de Guanabara estivesse limpa. Então, a discussão não é, no meu entendimento, só dos direitos, mas também dos deveres. Também somos responsáveis pelas soluções.
O mesmo vale para o lixo...
Para tudo. A sociedade precisa entender que 85% da população brasileira vive em cidades, em 2030 deve ser 90%. Tem de ser uma solução para as cidades. Resolvo o campo com o código florestal, mas não resolvi as cidades.
O código florestal completa quatro anos em 2016. Após tanta polêmica, quais os efeitos?
O que muda com o Código Florestal é uma convicção de que proteção ambiental pode andar junto com produção de alimentos. Ou seja, aquilo que era uma polarização criada por questões políticas, a discussão do código permitiu uma aproximação. Não tem como plantar sem proteger e não tem como só proteger, você tem de produzir alimentos. O produtor sabe, em sua grande maioria, produzir alimentos ou quer buscar produzir com sustentabilidade.
E aquele que não cumpre a lei?
O malfeito a gente pune, você exclui, tem de tirar da matriz de produção do país. Mas aqueles que querem se regularizar, que querem de fato realizar um processo de reconstrução, de recomposição e cumprir a lei são a grande maioria. Durante o debate do código florestal, muitos diziam que não queriam provocar desmatamento, queriam ser orientados e ser recebidos pelo Ministério do Meio Ambiente. No fundo, uma condição política dessa envergadura mostra que você tem de pregar para além dos convertidos. Não adianta pregar só para os seus.
O código já tem efeitos práticos ou só políticos?
Tem. O ministério tem claramente uma maior penetração na sociedade e uma credibilidade com interlocução, por exemplo, na questão de mudança do clima. Só foi possível construir esse diálogo que resulta numa coalizão com a sociedade envolvendo clima, floresta e agricultura por conta do amadurecimento que se deu do Código Florestal. É a turma que está no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que quer acabar com o desmatamento ilegal, que vai até a Europa, os Estados Unidos assinar que não compactua com o desmatamento ilegal.
Por que o Rio Grande do Sul está atrasado na participação do CAR?
O que chegou aqui para a gente foi um boicote ao CAR. Lamento, mas o Rio Grande do Sul acabou se prendendo numa disputa local com grupos que debatiam se o Pampa ia ser considerado pasto consolidado ou não. Ora, o Pampa é um bioma. A lei estabelece que a competência de fazer o CAR é dos Estados e dos municípios, não é federal. Quando começamos nessa concepção, tínhamos menos de 10, 15 Estados que toparam e hoje são 21 que usam o cadastro. Compramos imagens de satélite anualmente, desenvolvemos o sistema do CAR que é referência, capacitamos mais de 40 mil pessoas. Hoje, o pessoal da soja mostra para a União Europeia o uso do CAR como controle sobre o uso da terra e do desmatamento, é um modelo para a questão de clima.
O prazo de inscrição poderá ser prorrogado?
Não. O Brasil tem de parar com essa cultura de prorrogar prazos. Termina em maio. E a ministra Kátia Abreu, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, todos os movimentos trabalham para fazer o cadastro. O Incra cumpriu o prazo. Então, é impressionante que um Estado produtor importante, um ator político como o Rio Grande do Sul, esteja lá atrás. O cadastro não é para punir, é para fazer você aumentar a sua produção, porque quem protege produz. E o governo do Estado tem um papel importante nisso.
E quem ficar de fora?
A partir de 2017, haverá suspensão de crédito. Não cumprir a lei não é tolerável. É incrível que o Rio Grande do Sul se veja refém de uma situação de implementação do CAR. Se você olhar o cenário, a Região Sul é a que tem a menor área cadastrada. De 42 milhões de hectares área no Sul, só 13 milhões foram cadastrados. Peço que os gaúchos se engajem e façam a implementação do Código Florestal. Vem aí uma discussão sobre agricultura de baixo carbono, de clima, e o Rio Grande do Sul tem de ter protagonismo nisso.
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