Na contramão de Estados como Rio de Janeiro e São Paulo, que reduziram o número de assassinatos, o Rio Grande do Sul registrou aumento de 70% nos casos de homicídios dolosos (com intenção de matar) em uma década. Conforme dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP), foram pelo menos 2.405 mortes em 2015, contra 1.418 em 2006.
A violência é ainda mais grave nas 10 cidades com maior população do Estado, que concentram 4,1 milhões de habitantes e 56% das mortes intencionais. Canoas, Caxias do Sul, Gravataí, Novo Hamburgo, Pelotas, Porto Alegre, Rio Grande, Santa Maria, São Leopoldo e Viamão somaram 1.345 homicídios em 2015 - alta de 107,8% na comparação com 2006 - e puxaram o índice para cima. No total de todos os demais municípios, ocorreram 1.060 assassinatos no ano passado. Em Pelotas, o dado é alarmante: em 10 anos, o crescimento foi de 519%. Especialistas em segurança pública e autoridades apontam a falta de efetivo das polícias, disputas entre traficantes de drogas e impunidade como principais fatores da explosão da violência.
- Estamos convivendo com uma guerra de gangues pelo comércio de entorpecentes, o que produz todo um ciclo de criminalidade. Além disso, há falta de efetivo da Brigada Militar (BM), o que diminui sensivelmente a capacidade de agir - afirma o coronel da reserva da corporação e especialista em segurança Luiz Antônio Brenner Guimarães.
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O déficit de servidores na BM, responsável pelo policiamento ostensivo, atingiu recorde negativo histórico em 2015. A tropa tem hoje cerca de 19,1 mil policiais militares (PMs), quando o previsto em lei são 32,4 mil - não estão incluídos na conta o número de bombeiros. O contingente total (21,4 mil somando PMs e bombeiros) é o menor desde 1982, quando era de 20.207.
Secretaria foca no tráfico para tentar reduzir mortes
Combinado com a proibição de nomeações, o alto número de aposentadorias tende a exaurir mais a força da BM. Em Pelotas, por exemplo, 72 PMs foram para a reserva em 2015 e não tiveram reposição. Entre os municípios com maior população, a cidade no Sul teve a maior alta nos homicídios no ano passado em relação à 2014: 54,6%
"Para 2016, a prioridade é o enfrentamento ao tráfico de drogas e aos crimes conexos, como homicídios dolosos", diz a SSP, em nota.
Na Polícia Civil, a missão de liderar esforços nesse sentido passa a ser do delegado Emerson Wendt - até quarta-feira diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico -, que assumiu a chefia de polícia no lugar do delegado Guilherme Wondracek, destituído do cargo nesta quarta.
A secretaria garante que vai desencadear, neste mês, ofensiva contra o comércio ilegal de peças para impactar na receptação de veículos roubados. ZH publicou nesta terça reportagem mostrando que o Estado teve em 2015 o maior número de carros roubados na história - 18.142.
Entre as cidades mais populosas, Viamão liderou ranking de carros roubados: de 168 em 2006, passou para 573 no ano passado - 241% a mais. O município da Região Metropolitana também aparece no topo, com São Leopoldo, no Vale do Sinos, na taxa de mortes por 100 mil habitantes: 42. Logo atrás vem Porto Alegre, com 40, e Canoas, com 39. A Organização das Nações Unidas classifica o cenário como epidemia quando esse indicador é maior do que 10 para cada 100 mil.
Em Pelotas, seis vezes mais mortes. Em Caxias, menos casos
Segunda maior cidade do Estado, Caxias do Sul é a única entre as 10 mais populosas em que o índice de homicídios dolosos caiu em uma década (-4%) - em 2006, foram 89 e em 2015, 85. O comandante da Brigada Militar (BM) na Serra, coronel Antonio Osmar da Silva, afirma que a carência de efetivo não é desculpa para falta de ação. Ele ressalta o trabalho integrado com a Polícia Civil - pelo qual quase todos os casos são elucidados - e com a comunidade, participante ativa na prevenção:
- Nossos PMs vão à luta. É comum resolvermos casos quando estamos de folga, e temos chegado com êxito antecipado graças às pessoas que nos procuram. O negócio é baixar a cabeça e trabalhar. As autoridades que deem as respostas (sobre falta de efetivo).
Pelotas ocupa o outro extremo, com 99 assassinatos ao longo de 2015 - número seis vezes maior que os 16 de 2006. A cidade do Sul tem índices expressivos ainda em relação a furtos de veículos na última década (alta de 175%), latrocínio (o dobro de casos) e roubo de veículo (crescimento de 65%). O prefeito de Pelotas, Eduardo Leite, argumenta que todas as forças de segurança enfrentam problemas de mão de obra no município:
- Somos região de fronteira, que deveria ter policiamento consistente. A ausência do Estado, com redução de trabalhadores, leis brandas e déficit de vagas em presídios, dá quase a certeza da impunidade. Lançamos mão de tudo que está ao nosso alcance.
Ele acrescenta que o município investiu na guarda municipal, em rondas nas escolas, policiamento comunitário e videomonitoramento. Mas admite que isso é insuficiente frente à escalada da criminalidade, especialmente do tráfico.
- Há grupos razoavelmente organizados aqui. Priorizamos a repressão às prisões de traficantes de armas e drogas para ver se colhemos os resultados no decorrer deste ano - alega o delegado regional de Pelotas, Márcio Steffens.
O que diz a Secretaria da Segurança Pública
(A alta dos homicídios) Não se trata de fenômeno recente e isolado. No início desta gestão, mapeamos a criminalidade em todo o Estado e definimos como prioridade 19 municípios, que concentram 85% dos crimes no RS. Isto acarretou, ao longo de 2015, um recorde de prisões, operações e apreensões. Um trabalho inquestionável das forças policiais. Contudo, tais esforços não se refletiram diretamente na sensação de segurança. A SSP entende que existem dois fatores que impulsionaram a criminalidade: a impunidade, que acarreta o retrabalho policial, e a entrada de entorpecentes e armamentos provenientes de outros países, gerando uma escalada na disputa por território pelos traficantes. Para o ano de 2016, a SSP estabeleceu como prioridade a política de enfrentamento ao tráfico de drogas e aos crimes conexos, como os homicídios dolosos.
Estados do Rio e de São Paulo registraram reduções históricas
Enquanto a escalada de assassinatos no Rio Grande do Sul cresce ano após ano, nos dois maiores Estados do país, o número de mortes diminuiu em 2015. São Paulo teve no ano passado a menor taxa de homicídio doloso em pelo menos duas décadas.
E, pela primeira vez na série histórica, ficou abaixo de 10 (8,73) casos por 100 mil habitantes, fora da zona considerada epidêmica pela Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo a Secretaria Estadual da Segurança paulista, houve 3.757 homicídios em 2015 ante 4.293 em 2014 (-12%). A capital daquele Estado também teve redução. Em 2015, foram 991 casos frente a 1.131 em 2014 (igual queda de 12%) - taxa de 8,56 por 100 mil.
No Rio de Janeiro, o indicador de assassinatos para cada 100 mil habitantes caiu para 25,4, chegando perto da menor marca da série histórica, de 25,1, registrada em 2012. A queda no número absoluto foi de 15,1% - 4.197 assassinatos no ano passado e 4.942 em 2014.
Na capital fluminense, o índice (18,6 casos para 100 mil habitantes) em 2015 foi o menor desde que passou a ser contabilizado, em 1991. Ao todo, foram 1.202 registros no ano passado frente a 1.237 mortes em 2014 (-3%).
Em janeiro, ZH publicou reportagem com levantamento nos 11 maiores Estados, onde vivem 78% dos brasileiros, antecipando esse cenário. Os números mostravam que os homicídios haviam crescido apenas no Rio Grande do Sul (3,5%) e em Pernambuco (11,6%), considerando dados disponíveis na época, na comparação entre janeiro a setembro do ano passado ante igual período de 2014.