Brasília produzirá fatos para escrever novas páginas na história do Brasil em 2016. Passados o recesso e o feriado de Carnaval, a Câmara dos Deputados retoma a rotina de holofotes a partir desta segunda-feira. A Casa será palco da continuidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e, com o país mergulhado em crise econômica, o ajuste fiscal do Palácio do Planalto colocará em discussão pautas explosivas como a volta da CPMF e a reforma da Previdência.
Seja entre governistas ou oposicionistas, há certo consenso de que o impedimento, aberto em dezembro pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), arrefeceu. Embora tenha sido vaiada pela oposição ao ler a mensagem da Presidência ao Congresso no último dia 2, Dilma está menos fragilizada, principalmente após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter julgado o rito do impeachment, atribuindo poderes de veto ao Senado, onde a base governista é mais confiável.
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- A decisão do Supremo diminuiu o papel da Câmara, as mobilizações de dezembro (contra Dilma) fracassaram e Eduardo Cunha também se enfraqueceu. São elementos bons. Por outro lado, temos um agravamento da crise econômica internacional, o que é um complicador - avalia o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS).
Com a percepção geral de que o processo abrandou, a estratégia de Cunha será frear os trabalhos legislativos até que uma nova onda anti-Dilma possa crescer. Ele apresentou embargos declaratórios (pedido de esclarecimento) para questionar pontos da decisão do STF sobre o rito do impeachment.
Antes de obter a resposta, o presidente da Câmara deverá paralisar o funcionamento da Casa sob alegação de que o voto secreto, usado em diversas eleições internas, foi vetado pelos ministros do Supremo. Para a oposição, a expectativa é de que os protestos marcados para ocorrer em 13 de março possam submeter Dilma e o PT ao xeque-mate.
- Queremos colocar no mínimo 1 milhão de pessoas nas ruas. Temos material preparado, vai ter panfletagem, alto-falante, caravanas chamando para o dia 13 - diz o deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS).
Ele e outros oposicionistas acreditam que "o grande fermento" do impeachment será a crise econômica.
- Se a pressão popular vier forte, com desemprego, inflação, dólar alto, pergunto: algum senador vai ficar contra a população brasileira? - questiona o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), em referência à possibilidade de o Senado enterrar o caso.
Projetos do ajuste fiscal são prioridade na pauta
Para o gaúcho Osmar Terra (PMDB), a crise na saúde causada pelo zika vírus também poderá precipitar a eventual queda de Dilma. Entre os petistas, a intenção é sufocar o impedimento e aprovar propostas do ajuste fiscal. A volta do "imposto do cheque" deverá ser votada até junho. O PT, crítico feroz da tributação quando foi criada no governo Fernando Henrique, aderiu aos apelos de Dilma, que precisa reforçar o caixa.
- Na bancada, a CPMF é consenso. Não há motivo para hostilizar esse imposto - diz o deputado Wadih Damous (PT-RJ), próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A reforma da Previdência, com imposição de idade mínima para a inatividade, também será pautada.
- A questão previdenciária precisa ser encaminhada com as centrais sindicais e o Congresso. A ordem da presidenta é abrir o debate sobre as alternativas de reformas que temos - assegura o deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara.
O Planalto conta com o apoio de governadores e prefeitos - que levariam fatias da CPMF - para a aprovação, mas a oposição acredita que, em ano eleitoral, não há clima.
Se Cunha vai cozinhar o impeachment no retorno aos trabalhos, pelo menos dois fatos devem sacudir a Câmara. No dia 17, ocorrerá a eleição do líder da bancada do PMDB, rachado entre favoráveis e contrários à saída de Dilma. E, na comissão de orçamento, que não irá parar por ser bicameral, serão analisadas em março as contas da presidente, já rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União pelas pedaladas fiscais. A palavra final é do Congresso, que poderá encerrar o caso a favor do governo, conforme já consta no parecer do senador e relator Acir Gurgacz (PDT-RO).
- Se aprovarmos, retiramos o principal argumento do impeachment - diz Pimenta.
A eventual condenação de Dilma poderá representar o final da linha para o PT.
As polêmicas do Congresso
IMPEACHMENT DE DILMA
- Em dezembro, o STF definiu as regras do processo e invalidou a eleição com voto secreto na Câmara, que havia formado uma comissão com predominância de deputados de oposição ao governo. Presidente da Câmara, Cunha apresentou embargos ao Judiciário e espera esclarecimentos dos ministros.
- Até lá, o andamento ficará paralisado. Só depois de enviadas as respostas é que os líderes de bancada deverão nomear os membros da comissão do impeachment, dando início ao processo, que terá de ser analisado e aprovado no Senado.
ELEIÇÃO DOS LÍDERES DE BANCADA
- São ritos internos dos partidos na Câmara. A mais relevante das eleições será a do PMDB, quarta-feira.
- O Planalto trabalha pela manutenção de Leonardo Picciani (RJ), que pretende indicar só governistas para a comissão de impeachment.
- A ala de oposição do PMDB a Dilma, incluindo Cunha, apoia Hugo Motta (PB), apontado como moderado. Ele diz que irá dividir as indicações entre favoráveis e contrários.
CONTAS DO GOVERNO
- O Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou a rejeição das contas de Dilma de 2014 devido às pedaladas fiscais. A Comissão de Orçamento, de composição mista, irá votar em março.
- O relator, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), contrariou o TCU e deu parecer favorável à aprovação das contas. A votação final ocorrerá em plenário, sem data prevista.
PROTESTOS
- A pressão popular é considerada fundamental para o fortalecimento do impeachment. A próxima manifestação está marcada para 13 de março, em todo o Brasil. A oposição participa da organização.
AJUSTE FISCAL
- O Planalto iniciará o ano focado na recriação da CPMF e na reforma da Previdência. O "imposto do cheque" já foi incluído nas previsões de receitas do orçamento de 2016. Se vigorar a partir de setembro - depois de aprovado , precisa esperar 90 dias antes de ser colocada em prática -, irá gerar arrecadação de R$ 10 bilhões neste ano. A proposta de emenda à Constituição (PEC) está em tramitação na Câmara.
- O Planalto também abrirá debate sobre a reforma da Previdência. Serão analisados itens como adoção de idade mínima para aposentadoria, tempo de contribuição, alíquotas e revisão de renúncias.
- O governo ainda pretende aprovar a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), que dá liberdade para manejar o orçamento.
- Também fará parte do ajuste fiscal uma série de cortes de gastos e de investimentos. A intenção do governo federal é reduzir o déficit das contas públicas, que foi de R$ 111 bilhões em 2015.
- Outra prioridade de Dilma é a votação da medida provisória que alterou regras dos acordos de leniência com empresas envolvidas em casos de corrupção. Editada por conta da Operação Lava-Jato, a norma permite, por exemplo, que pessoas jurídicas envolvidas em atos ilícitos possam assinar novos contratos com o governo.
CRISE ECONÔMICA
- O aumento do desemprego e a continuidade da alta da inflação são a aposta da oposição para turbinar os protestos marcados para março e o processo de impeachment.
LAVA-JATO
- A operação sempre é uma preocupação extra para o governo e o PT, que já tiveram vários de seus integrantes implicados ou presos. Atua como alimentadora da insatisfação popular. É crescente o envolvimento do ex-presidente Lula em suspeitas, o que enfraquece a principal estrela do PT, fiador do governo Dilma.
FRENTES PARLAMENTARES
- Embora a situação esteja menos caótica para Dilma no Congresso, soou como ameaça o manifesto das frentes parlamentares da agropecuária, da segurança pública e evangélica, que reúnem cerca de 300 deputados.
- No texto, acusam o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, de ter omitido "intencionalmente" a leitura de um trecho do regimento da Câmara quando estava embasando o seu parecer contra o voto secreto para a comissão de impeachment.
- O entendimento de Barroso foi acompanhado pela maioria dos ministros e a decisão foi favorável aos interesses do governo Dilma. O caso pode ser embrião de revolta
parlamentar.
Definição sobre o futuro de Cunha orientará estratégias
Eduardo Cunha é personagem central do conturbado momento da política brasileira. Por um lado, atua para tentar viabilizar o impeachment de Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, é suspeito de ser beneficiário de desvios de recursos da Petrobras investigados pela Operação Lava-Jato.
Depois de a Polícia Federal fazer buscas na sua residência em dezembro passado, ele terá de lidar com três expedientes que podem lhe destronar da presidência da Câmara: é alvo de duas representações da Procuradoria-Geral da República no Supremo Tribunal Federal (STF) e responde a um processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da casa.
Se o peemedebista cair, o Palácio do Planalto se sentirá mais aliviado pela derrocada do inimigo e novas eleições terão de ser chamadas na Câmara, reabrindo disputas em período de atrito.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF a condenação de Cunha pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Ele teria recebido US$ 5 milhões. Se a Corte aceitar a denúncia feita em agosto, ele se tornará réu. Em outra representação, de dezembro, Janot pediu o afastamento de Cunha da presidência da Câmara sob alegação de que ele usa o cargo para se proteger.
Os dois requerimentos ainda precisam passar pela análise e voto dos 11 ministros do STF, mas, mesmo entre petistas, há pouca esperança de sucesso com base no pedido de dezembro, sem que ao menos ele tenha se tornado réu.
- Contra Eduardo Cunha pesam caminhões de provas que demonstram a abertura de contas ilícitas na Suíça, com dinheiro obscuro. Esse pedido de afastamento (de dezembro) cria um precedente perigoso. Acho que o mais adequado é o STF votar a admissibilidade da ação penal. Se for aceita e ele se tornar réu, que seja afastado cautelarmente - opina Wadih Damous (PT-RJ).
Processo de cassação segue a passos lentos
No Conselho de Ética, o processo contra Cunha se arrasta. O recurso apresentado à Mesa Diretora pelo deputado federal Carlos Marun (PMDB-MS) surtiu efeito e, mais uma vez, a situação irá regredir. Depois da troca de relator em dezembro passado, agora caberá novo pedido de vista a um relatório que já havia até sido aprovado. Os aliados de Cunha antecipam que, como o PSOL aditou documentos ao processo dias atrás, irão exigir reabertura do prazo de defesa.
Diante da procrastinação, o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PSD-BA), por vezes acusado de cometer trapalhadas na condução, desabafou em plenário, em sessão antes do Carnaval.
- A Justiça tem de tomar providência. Não pode ser usado o cargo de presidente para se manter sentado nesta cadeira - discursou Araújo, pedindo que o STF afaste Cunha do poder.
Menos poderoso do que no passado recente, quando derrotou facilmente Arlindo Chinaglia (PT-SP) na disputa pela presidência da Câmara, o político do Rio ainda conta com aliados fiéis no Congresso.
- Sequer aceitaram a denúncia no STF. Defendo o direito de ampla defesa e a presunção da inocência. Até agora, tudo foi feito com base no regimento - diz o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).
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