Há 11 anos, em janeiro de 2005, uma pacata área no interior de Dois Irmão foi agitada por um homicídio. Mas não foi um assassinato comum. Com vários tiros, principalmente no rosto, havia sido morto, aos 46 anos, Dilonei Francisco Melara, até hoje o preso mais famoso do sistema penitenciário gaúcho, que se encontrava foragido havia 57 dias.
Leia mais
Psicóloga revela detalhes da invasão do hotel Plaza em 1994
Do achismo à profissionalização: o legado do maior motim do RS
Agricultor durante a adolescência em São José do Ouro, Melara entrara para a vida do crime no fim dos anos 70, em Caxias do Sul. Em 1985, tornou-se famoso ao matar dois agentes penitenciários para resgatar um comparsa. Protagonizou a primeira fuga da Penitenciária de Charqueadas, até então inexpugnável.
As proezas criminosas de Melara não pararam por aí. Foi o primeiro a conseguir organizar os criminosos nas prisões gaúchas, com a criação da facção Os Manos. E foi nessa condição que ele liderou o maior motim do Estado, que culminou com a invasão do Hotel Plaza São Rafael, em 1994.
Com o seu grupo mantendo a hegemonia nas prisões, Melara provocou uma rotina de mortes, revoltas e motins. Suas ações geraram reações como a entrega da administração do Presídio Central para a Brigada Militar, em 1995. Por tudo o que significou, Melara tornou-se emblemático dentro do sistema. Sua morte até hoje não foi desvendada. Mas ela foi decisiva para mudanças ocorridas a partir de então, inclusive para o crescimento do crime organizado, dentro e fora das prisões.
Quem matou?
O inquérito que apurou sua morte foi entregue à Justiça sem indiciados. Os três delegados que atuaram no caso alegaram duas dificuldades: o grande número de inimigos que o bandido colecionava e a lei do silêncio que impera no mundo do crime.
O delegado Juliano Ferreira, o último a investigar, disse que as suspeitas maiores ficaram sobre Paulo Márcio Duarte da Silva, o Maradona.
– Ele assumiu a facção com a morte de Melara – diz o delegado.
Mas a liderança de Maradona durou pouco. Segundo um líder atual, ele não teria correspondido às expectativas do grupo.
– O Maradona de um tempo para cá estava que nem o Melara. Queria tudo para ele, tudo que acontecia tinha que vir para a mão dele, ele estava enriquecendo nas costas de todo mundo e não estava ouvindo ninguém – disse.
O mesmo líder explica outras mudanças, como o fim da resistência à colaboração e a acordos com a administração da prisão, a aceitação da existência de grupos rivais dentro dos presídios e a divisão de poder na facção.
– A gente quer manter uma convivência tranquila com a Brigada, não quer mais guerra, não quer mais morte. Por isso, a gente decidiu, entre tantos, afastar o Maradona e tomar a liderança, e de certa forma, não é uma pessoa só que decide.
Quem não estava com ele era inimigo
Para os Manos na época de Melara, só existiam dois grupos entre os humanos: policiais e bandidos. Quem não estivesse com eles, era inimigo. Não admitia também qualquer forma de colaboração com a administração prisional, bem como a existência de outras facções.
Na segunda metade dos anos 90, a direção do Presídio Central chamou um dos presos do Pavilhão C, Valmir Benini Pires, o Brasa, um assaltante condenado a 12 anos, e solicitou que, a partir de então, houvesse organização, disciplina, higiene, de acordo com as regras da casa. Sob a liderança de Valmir, surgiu então a facção Os Brasas, quase uma antítese de Os Manos, que eram hegemônicos no Pavilhão B, mesmo sem a presença de Melara, que havia sido transferido para a Pasc, em Charqueadas.
Além da forma de agir na prisão, as duas facções divergiam sobre a expectativa de vida futura dos criminosos. Para os Manos, seguindo o pensamento de Melara, estavam todos condenados ao crime e desta vida jamais se afastariam.
Empresas do crime
Hoje há uma nova realidade entre presos ligados a facções no Central, em um processo iniciado a partir da morte de Melara. Os líderes dos grupos comandam cada um sua galeria correspondente.
Os contatos com a guarda e com a administração são feitos pelos plantões de galeria. Com as facções dominando parte das galerias, o crime passou a lucrar, cobrando por quase tudo, inclusive comida e segurança, além das drogas.
– Os grupos passaram a atuar como empresas. As cadeias passaram a exercer, de dentro para fora, controle de áreas da cidade, passando a remeter dinheiro para a rua, pois antes só entrava – diz o juiz da Vara de Execuções Criminais Sidinei Brzuska.