A cada 47 minutos, um pedestre registrou ocorrência por assalto ou furto na área central de Porto Alegre no ano passado. É a média com base em todas as ocorrências do tipo registradas pelas duas delegacias da Polícia Civil na região em 2015. O dado comprova a sensação de quem circula por lá: os crimes fazem parte da rotina da zona mais movimentada da cidade.
Os roubos a pedestres saltaram 35% na área no ano passado em relação a 2014, enquanto os furtos recuaram mais de 11% - um indicativo de que os ataques têm sido mais violentos. Para o delegado da 17ª Delegacia de Polícia (DP), Hilton Muller, responsável pelo Centro Histórico, a reincidência contribui para o cenário.
- É a escalada normal da criminalidade: quando o sujeito pratica muitos furtos, não é preso ou logo ganha liberdade, e passa a praticar crimes com maior violência - diz.
Balconista de uma lanchonete em uma esquina em frente ao camelódromo, Jorge Guerra, 26 anos, foi vítima, em agosto passado, desse aumento de crimes:
- Estava na parada de ônibus (no terminal Rui Barbosa), um rapaz me perguntou as horas, puxei o celular para olhar, e ele o arrancou da minha mão e saiu correndo.
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Um mês depois do ocorrido, o atendente sofreu nova tentativa de roubo no mesmo local. Dessa vez, reagiu - atitude não recomendada por autoridades de segurança - e escapou. Desde então, a proprietária do estabelecimento onde Guerra trabalha passou a levá-lo em casa todos os dias depois do expediente:
- O Centro é uma loteria - queixa-se a empresária Adriana Lisboa, 46 anos.
Os arredores dos terminais de ônibus e do camelódromo concentram a maior incidência de ataques, segundo a Brigada Militar (BM). Nesses endereços, os bandidos aproveitam para agir em meio à aglomeração de gente que chega ou deixa o Centro Histórico. A estudante Agatha Caroline Brum, 17 anos, também teve o celular roubado em uma parada de ônibus. "Passa tudo", disse o ladrão, que levou também a tranquilidade da jovem.
- Para quem ainda não foi (assaltado), é só questão de tempo - desabafa Agatha.
Mas nem só aparelhos telefônicos atraem os bandidos. Joias - e até bijuterias - têm sido objeto de furto ou roubo. O modo de operação é sempre o mesmo: o ladrão escolhe alguém distraído, arranca um objeto da vítima e desaparece correndo em meio à multidão apressada. Foi assim com a vitrinista Carmem Regina Irigay, 45 anos, na semana do Natal, quando lhe levaram a corrente que exibia no pescoço:
- Nem ouro era. Mas tinha um valor sentimental para mim.
Temor também entre estudantes e comerciantes
A sensação de insegurança tem provocado reações. Em setembro, professores de instituições de ensino do Centro Histórico organizaram um encontro e chegaram à conclusão de que o problema está generalizado. Eles se reuniram com representantes das polícias Civil, Militar e das secretarias da Segurança Pública municipal e estadual para cobrar soluções - que ainda não vieram.
- Ao longo do tempo, os estudantes têm reclamado da violência. Um aluno teve quatro costelas quebradas em um assalto e cancelou a faculdade, outro bateu a cabeça e sofreu traumatismo craniano, muitos deixaram de estudar à noite. Sugeri que instalássemos os "caminhos seguros", com mais policiamento nas principais ruas que ligam as instituições aos pontos de transporte público - conta o coordenador da Fatepa-Faculdade e Cursos Técnicos, Telmo Souza.
O Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas) decidiu contratar uma consultoria de segurança e, neste mês, deve apresentar o plano às autoridades. Presidente da entidade, Paulo Kruse diz que os assaltos e furtos a pedestres se refletem nas vendas, uma vez que as pessoas evitam fazer compras no Centro:
- Quase todo lojista está colocando segurança privada, o que eleva os custos. Muitos estão sendo obrigados a fechar porque não têm condições de pagar o aluguel, investir em segurança e ainda ser assaltado. É necessário que se faça alguma coisa urgentemente.
População pede mais policiamento, BM diz não ter efetivo
Quem circula no centro de Porto Alegre pede reforço no policiamento. E quem deveria promovê-lo responde que não tem efetivo. A Brigada Militar (BM) enfrenta hoje déficit de 41% na tropa - tem cerca de 19,1 mil policiais militares, quando o necessário seriam 32,4 mil (não estão incluídos na conta os números de bombeiros, tanto o existente quanto o previsto em lei).
O elevado número de ataques a pedestres no Centro Histórico, na avaliação da BM, se explica, em parte, pelas casas noturnas conhecidas como "inferninhos". De acordo com o comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM), tenente-coronel Marcus Vinicius Gonçalves Oliveira, alguns frequentadores desses estabelecimentos (a maioria localizada na Rua Marechal Floriano) promovem arrastões no fim da noite e no começo do dia. Em uma recente operação em uma dessas festas, por exemplo, a polícia conseguiu prender dois foragidos.
- Tenho de retirar policiamento de outros turnos para dar atenção a um horário no qual transitam poucas pessoas no Centro. Há um deslocamento da segurança pública que poderíamos evitar se houvessem ações mais contundentes de outros agentes públicos - defende Oliveira.
Na esquina da Rua Marechal Floriano Peixoto com a Avenida Salgado Filho, Brigada Militar aponta que "inferninhos" aumentam o perigo (Foto: Ronaldo Bernardi)
Outra queixa da BM diz respeito ao prende e solta de criminosos (seja em razão das leis brandas, seja pela falta de vaga nos presídios superlotados).
Na semana passada, por exemplo, a polícia deteve um adolescente de 15 anos perto do camelódromo. Ele carregava uma faca e havia sido flagrado por câmeras de segurança cometendo delitos. Horas depois, foi avistado novamente no mesmo local.
- Provavelmente, se essas pessoas presas pela polícia estivessem reclusas, não necessitaríamos de tantos policiais e o clamor não seria tão grande. Ocorre que o efetivo nunca vai ser suficiente, porque, quanto mais se prende, mais eles voltam - reforça o comandante do 9º BPM.
O delegado da 17ª Delegacia de Polícia (DP), Hilton Muller, admite dificuldade para identificar os autores dos crimes porque, muitas vezes, nem a própria vítima consegue descrevê-los.
- Realmente, há muitos crimes para os quais não conseguimos nem sequer começar uma investigação - lamenta.
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