Um dos mais conhecidos traficantes gaúchos, Alexandre Goulart Madeira, o Xandi - assassinado há um ano em uma emboscada em Tramandaí -, conseguiu amealhar bem mais do que imóveis e frotas de carros de luxo e táxis. Conforme investigação do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) da Polícia Civil, o criminoso adquiriu um jato executivo (supostamente, para lavar dinheiro). E a surpresa dos policiais foi ainda maior ao descobrir quem vendeu a aeronave: o cantor de pagode Alexandre Pires, internacionalmente conhecido.
Ao realizar o negócio, Xandi se apresentou como empresário da noite porto-alegrense, o que não deixa de ser verdade. Ele era sócio da produtora de eventos Nível A Produções, que agenciava shows de pagode e funk.
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Foi por circular nesse meio e viajar muito que Xandi teve a ideia de comprar um avião executivo. Ele ficou então sabendo que o cantor Alexandre Pires, que iniciou carreira em 1989 e se tornou famoso com os 11 álbuns gravados no conjunto Só Para Contrariar (SPC), tinha colocado à venda seu Cessna Citation 500, um jato bimotor. Apesar de antigo (foi fabricado em 1975), o avião (prefixo PT-LOG) tinha permissão de voo regulamentada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e estava em nome do próprio cantor (Alexandre Pires do Nascimento). A aeronave é capaz de deslocamentos até Rio, São Paulo ou Minas, sem reabastecimento, desde o RS.
Jato devolvido sob pressão para ressarcir o dinheiro
O negócio foi firmado há cerca de cinco anos. Xandi acertou pagar R$ 1 milhão, em cinco vezes. Mas logo o empresário traficante desistiu do avião. Há duas versões para o episódio. Uma, de que o aparelho apresentava "problemas técnicos recorrentes", segundo a investigação do Denarc. A outra, do empresário de Alexandre Pires, de que Xandi não teria inteirado a quantia devida.
Trecho da denúncia do Ministério Público Estadual:
A organização contou também com uma aeronave para consecução da atividade criminosa (avião PT-LOG-500 0284), bem adquirido do cantor ALEXANDRE PIRES pela quantia de um milhão de reais, parcelada em cinco vezes. Após o pagamento de quatrocentos mil reais, "Xandi", em virtude de problemas técnicos recorrentes enfrentados pela aeronave devolveu o bem ao cantor, desfazendo o negócio. A quantia já integralizada pela quadrilha foi ressarcida por ALEXANDRE PIRES ao grupo.
O certo é que Xandi já tinha pago R$ 400 mil quando devolveu o avião a Alexandre Pires, com rescisão de contrato. Após o rompimento do negócio, o cantor foi pressionado a ressarcir o dinheiro que já tinha sido pago pelo traficante. Foi aí que Pires começou a desconfiar de que Xandi poderia ter uma fachada oculta, que não a de mero empresário. É o que o próprio Alexandre descreve, em depoimento prestado à Polícia Civil como testemunha:
"Em razão da cobrança pela devolução de valores, Thiago mencionou que as pessoas que haviam comprado o avião, vinculadas a Alexandre Goulart Madeira, o Xandi, poderiam ser de má índole, aconselhando o declarante (Pires) que efetuasse a devolução do valor".
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"Nosso advogado alertou que os caras eram barra pesada", diz produtor
O Thiago mencionado é um produtor musical mineiro que ofereceu a Xandi o jato. No depoimento, o cantor detalha pressões recebidas: "Em meados de 2012 compareceram dois homens no escritório profissional do declarante (Pires), em São Paulo, cobrando a restituição dos valores pagos pelo avião".
O cantor, hoje com 10 álbuns solo gravados, reconheceu os dois como Xandi e um parceiro dele. Alexandre Pires decidiu então pagar. Quem confirma é o seu empresário, Aldo Braghetto, em entrevista concedida nesta quinta-feira a Zero Hora. Ele diz que o cantor não sabia que Xandi era traficante, que lhe foi apresentado como empresário de shows.
- A Cessna também não sabe quem você é quando vende o avião, o que interessa é ter dinheiro. E o Xandi tinha. Ele até quis comprar shows nossos, mas não vendi. Tempos depois ele quis devolver o avião, pediu o dinheiro de volta... Nosso advogado alertou que os caras eram "barra pesada". Devolvi o dinheiro deles, dei quatro ou cinco cheques. Nos botaram em uma fria - desabafa Braghetto.
QUEM ERA XANDI - Alexandre Goulart Madeira, o Xandi, era um dos "patrões" da droga em Porto Alegre. Distribuía cocaína a partir do bairro Santana e da Vila Planetário e estava se estendendo para a Cidade Baixa, além de ter influência em vilas da zona leste (próximas a Viamão).
A situação do jato, agora, é desatualizada. No fichário da Anac ainda consta como pertencente a Alexandre Pires, mas está com seu certificado de aeronavegabilidade suspenso (proibido de voar). Está parado em um hangar em Sorocaba (SP). Conforme a ficha, o jato está com a Inspeção Anual de Manutenção vencida. Além disso, o Ministério Público do RS solicitou bloqueio dos bens negociados por Xandi (entre eles, o avião), por supostamente terem sido usados em lavagem de dinheiro do tráfico. O bloqueio do jato não foi concedido pelo juiz Orlando Faccini Neto, da 8ª Vara Criminal de Porto Alegre, que ainda estuda o caso.
REGISTRO NA ANAC
Matrícula - PTLOG
Fabricante - Cessna Aircraft
Modelo - 500
Série - 500-0284
Passageiros - 5
Peso máximo de decolagem - 5.216 Kg
Classe da aeronave - Pouso convencional, dois motores. Jato/Turbofan
Situação - Certificado de aeronavegabilidade cancelado
Motivo - Inspeção Anual de Manutenção vencida