Natural do Rio de Janeiro (RJ), o médico anestesista Claudio Guimarães de Azevedo, 48 anos, 20 de profissão, teve pelo menos dois momentos emblemáticos em sua carreira: 27 de janeiro de 2013 e 27 de janeiro de 2016. Na primeira data, esteve diante da maior tragédia do Estado, quando 242 pessoas morreram no incêndio da boate Kiss.
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Em meio a um cenário de dor e desespero, Azevedo ajudou no socorro às vítimas. Mais do que isso, foi ele quem comandou uma espécie de central de crise, organizada para fazer triagem e o encaminhamento dos feridos a diferentes hospitais. Três anos depois, o destino o presenteou com uma experiência inversa: a alegria do nascimento. O anestesista acompanhou o parto da fotógrafa Carla Regina Bicca, 35 anos, sobrevivente da tragédia.
O médico, que seguiu carreira militar e atualmente ocupa a patente de major, vive em Santa Maria desde 2001. Casado, pai de um menino de 11 anos e à espera de outro filho que ainda está na barriga da mulher, não acredita em casualidades. Do interior do quarto número 5, da ala Sul do Hospital de Guarnição de Santa Maria (HGU), ele falou ao Diário um pouco do muito que já experienciou. Em alguns momentos, segurava no colo Antonela Bicca Denardin, a menina nascida em 27 de janeiro de 2016.
Diário de Santa Maria - Em que momento o senhor soube que a paciente era uma sobrevivente da Kiss?
Claudio - Era minha segunda cesária da manhã. As grávidas ficam nervosas, mas percebi que a Carla estava muito mais nervosa que o normal. Até que ela me contou o motivo. Eu disse a ela: "então nós já nos encontramos em algum momento".
Diário - E qual foi a reação do senhor e e da paciente neste momento? Lembra de tê-la atendido no dia do incêndio?
Claudio - Cheguei a atender 300 pessoas no dia. Não lembrava dela. Hoje (quarta-feira), pedi à Carla para não pensar na noite do incêndio. Agora seria diferente, pois tivemos um reencontro diferente. Seria um dia 27 feliz. Tudo o que aconteceu, tinha que acontecer. Agora era hora do renascimento de uma nova Carla.
Diário - E como foi a cirurgia?
Claudio - Correu tudo bem. Entrou na sala de parto às 9h45min e, às 10h10min, a menina nasceu. É possível que quinta-feira à tarde ela já dê alta.
Diário - Que significado o senhor atribui às coincidências dessas datas?
Claudio - Não acredito em casualidades. Naquele dia (27 de janeiro de 2013), encontrei forças para trabalhar e hoje também. Apesar de estar acostumado, hoje (quarta-feira) foi diferente, foi especial. Sou espírita e acredito que para tudo há uma razão. Fico com uma sensação de dever cumprido enquanto médico, pois fiz o meu melhor.
Diário - Como foi sua atuação no socorro às vítimas da tragédia?
Claudio - No dia, nossa capacidade de atendimento era baixa para tanta gente. Até tínhamos muitos médicos, mas não tínhamos organização. Lá no Hospital de Caridade, criamos um espécie de central de crise. Eu fiquei responsável por fazer a triagem, abrir espaços que não existiam e encaminhar cada paciente para médicos, enfermeiros e hospitais específicos. É importante dizer que tudo seria diferente se não fosse em Santa Maria. Aqui sobravam pessoas para ajudar. O fato de a cidade ter o segundo maior contingente de militares do Brasil e com uma organização prévia, também facilitou. Outra fator foi a Base Aérea. Em três ou quatro minutos, tínhamos um helicóptero disponível. Sou do Rio de Janeiro, mas as pessoas de Santa Maria são diferentes. Criou-se um grande elo.
Diário - Passados três anos , como o senhor avalia essas experiências?
Claudio - Será impossível esquecer a tragédia, mas espero que as pessoas busquem alguma razão e tentem ser mais felizes. Eu vou tentar não lembrar do dia 27 apenas como um evento trágico, mas como um outro dia 27.