Previstas para serem concluídas até o final de 2015, 204 creches do Plano Nacional de Educação - programa do governo federal que pretende universalizar o acesso à pré-escola para crianças de quatro e cinco anos no Brasil - estão abandonadas, inacabadas ou não saíram do zero no Rio Grande do Sul. Somente quatro unidades (1,9%) foram erguidas pela MVC, do Paraná, uma das cinco vencedoras da licitação para construir milhares de creches no país, que ficou responsável pelas obras no Estado. A empresa garante a conclusão de apenas 47 pré-escolas no Estado neste ano, prazo máximo estipulado pelo cronograma. Os contratos de 92 foram desfeitos, e as restantes têm futuro incerto. Ao todo, 98 cidades seriam beneficiadas.
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Os maiores problemas, de acordo com a MVC, estão na falta de repasses da União aos municípios e consequente pagamento à empresa, além da exigência de uma série de documentos e outras questões burocráticas que retardaram o início das obras, o que teria gerado um orçamento final maior do que o acordado há quatro anos. Algumas unidades abandonadas, como em Guaíba, na Região Metropolitana, têm sido alvo de furtos e depredações. Em um boletim de ocorrência ao qual Zero Hora teve acesso, registrado pela Secretaria de Educação do município, consta que foram levados de uma creche em obras itens como fios, materiais plásticos e até janelas.
- Deparamos com saques e procuramos a Polícia Civil. Estamos tentando mostrar para a população que as construções ficarão prontas, mesmo que tenhamos de rescindir o contrato - relata o engenheiro fiscal da prefeitura de Guaíba Feliphe Sinhorelli.
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Prazo de sete meses em método inovador
No papel, cada pré-escola estaria pronta em sete meses, e a contrapartida das cidades era preparar os terrenos para recebê-las. Por meio do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), o governo federal garantiu os recursos, e a MVC prometeu um prazo rápido porque utiliza um modelo próprio de chapas prontas de fibra de vidro. Na prática, porém, nada saiu como foi idealizado.
- Além do impacto social provocado pelo problema, existe, por parte dos gestores, o temor de descumprir a lei - diz o presidente da Federação das Associações dos Municípios (Famurs), Luiz Carlos Folador.
Os 32 prefeitos que romperam os contratos recorreram ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que gere os recursos do Proinfância, para migrar e ter a possibilidade de fazer a escola pelo modelo convencional, com tijolos. Segundo a Famurs, a União deve disponibilizar, em média, mais R$ 300 mil para cada obra. Os casos mais preocupantes são de 71 pré-escolas inacabadas, já que o método usado pela MVC impede que o trabalho seja finalizado por outra empresa. Ainda não há uma saída para o problema.
- A metodologia inovadora era para ser a solução e virou dor de cabeça. Estamos desesperados. O povo pede as vagas, o Ministério Público exige solução, e não temos o que fazer - lamenta o prefeito de Agudo, Valério Trebien, que aguardava a creche para fevereiro de 2014.
- Temos dificuldades em nove Estados, é uma complicação macro, do próprio programa, que perdeu sua capacidade de execução por adversidades financeiras. A posição da empresa é que as obras iniciadas serão concluídas. As demais, em estágio de execução, dependem de entendimento do Tribunal de Contas do Estado. O leilão ocorreu com base orçamentária do final de 2012 e os valores estão defasados, é preciso rever os valores dos contratos - alega o gerente de engenharia da MVC, Erivelto Mussio.
Metas do Plano Nacional de Educação preocupam gestores municipais
Em nota, o MEC afirma que o FNDE "vem participando de reuniões" com a MVC, a Famurs, o Tribunal de Contas do Estado, o Ministério Público e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) para "encontrar mecanismos que viabilizem a conclusão das obras". De acordo com o ministério, "a contratação da construtora e a gestão das obras são atribuições das prefeituras".
O que diz o MEC
"Para a construção de creches com recursos do Proinfância, a contratação da construtora e a gestão das obras são atribuições das prefeituras. É a prefeitura que efetivamente contrata a construtora. Assim, ela deve tomar todas as medidas cabíveis para fazer cumprir os termos do contrato. Caso seja rescindido o contrato, a prefeitura deve guardar a edificação, evitando depredações, até que a contratação de nova empresa ocorra e ela entre na obra. Especificamente com relação à MVC: a construtora venceu o RDC-Regime Diferenciado de Contratação para atas de registro de preços que lhes deu o direito de firmar contratos para a construção de obras dentro das regras do Proinfância, e os mesmos devem ser cumpridos. Uma vez que a empresa paralisa obras, sem rescindir o contrato com o município, o FNDE tem orientado todas as prefeituras, que assim o desejarem, sobre as medidas a serem tomadas para fazer cumprir os contratos, e as alternativas disponíveis para retomar a construção de creches através do Proinfância.
Caso queira trocar a empresa responsável pela construção, o município pode fazer o distrato com a empresa e pedir ao FNDE a reformulação do método construtivo, a qual será analisada. Assim que finalizado o procedimento de reformulação, o município poderá licitar a obra.
Buscando encontrar mecanismos que viabilizem a conclusão das obras , o FNDE vem participando de reuniões juntamente com a UNDIME-União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, Famurs - Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul, Tribunal de contas do Estado do Rio Grande do Sul, Ministério Público Estadual e a empresa MVC."
* Zero Hora