Correção: das 14h38min às 23h16min, este site informou, de maneira equivocada, que pais de vítimas da boate Kiss terão como testemunha um réus do processo, Elissandro Spohr, o Kiko. Apenas um pai terá o auxílio do acusado na Justiça. A matéria original foi corrigida.
Uma situação inusitada vai marcar os processos judiciais relacionados à boate Kiss, em Santa Maria - cujo incêndio matou 242 pessoas em janeiro de 2013. Flávio Silva - presidente do Movimento Luto à Luta e pai de um jovem morto na tragédia, e que responde processo movido pelo Ministério Público por calúnia - será ajudado por um dos réus responsabilizados pelas mortes no acidente, Elissandro Spohr, o Kiko.
Processado por homicídio das 242 pessoas, Kiko será testemunha de defesa do pai da vítima do incêndio. Isso foi aceito agora pela Justiça, apesar de o Ministério Público se opor e ter tentado invalidar a convocação de Kiko como testemunha.
O juiz Leandro Augusto Sassi, de Santa Maria, acaba de permitir que o dono da boate seja usado pela defesa do familiar da vítima da Kiss. Alguns pais de jovens mortos na boate são processados por calúnia (acusar alguém falsamente por um crime) pelo promotor Ricardo Lozza.
Eles espalharam cartazes dizendo que Lozza permitiu que a Kiss funcionasse, mesmo com todos os defeitos que acabariam por gerar a mortandade: uma só saída do prédio, barreiras de metal próximas às portas (que funcionaram como armadilhas) e espuma isolante de ruído (que se revelou tóxica e mortífera ao pegar fogo).
No contra-ataque, o promotor e dois colegas moveram ação contra Flávio Silva (presidente do movimento Do Luto à Luta). Pedro Barcellos, advogado então de Silva, arrolou como testemunha Kiko Spohr.
Em recente depoimento prestado à Justiça, Kiko declarou que a boate funcionava naqueles termos porque o Ministério Público permitiu e fez acordo nesse sentido. Barcellos, então, solicitou à Justiça que os familiares das vítimas possam apresentar "exceção da verdade".
Ela consiste na oportunidade que tem o acusado de provar a veracidade do que está afirmando, o que afasta a acusação inicialmente formulada. O advogado alega que a afirmação dos familiares de vítimas ("O Ministério Público e seus promotores também sabiam que a boate estava funcionando de forma irregular") não contém uma inverdade, não é falsa, não é mentirosa.
O Ministério Público argumenta que a calúnia existiu, pelo simples fato de que um inquérito sobre possível negligência do promotor Lozza em relação ao funcionamento da boate Kiss foi arquivada pelo Procurador-Geral de Justiça e, posteriormente, pelo Tribunal de Justiça.
O juiz concordou com a tese de Barcellos de que o familiar de vítima poderá usar Kiko como testemunha. A convocação será feita pela Justiça.
– O Kiko vai mostrar à Justiça que meu cliente, pai de vítima, está certo: um promotor permitiu que a boate funcionasse. Isso é verdade e não calúnia – resume Barcellos, na defesa dos familiares.
Flávio Silva se disse aliviado com a decisão judicial:
– Provaremos que falamos apenas o que é correto: o promotor se omitiu ao permitir o funcionamento da boate.