Traumatizado pela violência, o ginecologista assaltado em meio a uma consulta na Unidade Básica de Saúde Vila Cruzeiro, na zona sul de Porto Alegre, está afastado do trabalho por orientações médicas. Com medo de represálias, ele não quer falar sobre o ataque e tenta se refazer do susto longe do consultório.
O crime ocorreu em plena luz do dia, às 9h de segunda-feira, quando o profissional atendia a uma gestante acompanhada do marido. O assaltante entrou no prédio sob o pretexto de usar o banheiro. A ação levou menos de cinco minutos.
Armado, o criminoso foi direto para a sala onde ocorria o atendimento, caminhou até o obstetra e apontou o revólver para a cabeça dele. A paciente e o marido ficaram paralisados. Em seguida, o rapaz ordenou que o médico entregasse a carteira e o telefone celular e deixou a sala. Não houve reação.
Antes de sair do prédio, segundo relato de testemunhas, o assaltante teria feito ameaças ao ginecologista, dizendo que o conhecia. O bandido seria morador da região, e sua família seria inclusive atendida no local. Foi o suficiente para apavorar o obstetra. A identidade do profissional está sendo preservada para mantê-lo em segurança.
– Ainda não conseguimos falar com ele. Soubemos que ligou para o posto para avisar que não voltaria. Ele está em tratamento e está muito assustado. Com certeza terá de ser transferido – diz a advogada Simone Justo Hahn, do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers).
O presidente da entidade, Paulo de Argollo Mendes, lamenta o desfecho. Segundo ele, o obstetra atua há 20 anos no local e é um profissional dedicado. Mendes também vê com preocupação a quebra do acordo tácito segundo o qual profissionais de referência para as comunidades, como médicos e agentes de saúde, são respeitados e mantidos em "campo neutro", longe das brigas de tráfico e dos atos de violência.
– Vai ser difícil para a prefeitura encontrar um substituto depois do que aconteceu. Eu nunca tinha ouvido falar de um médico ter sido assaltado durante uma consulta. Chegamos ao limite. Um pacto foi quebrado – afirma Mendes.
Desde o ano passado, conforme o presidente do Simers, o sindicato pressiona a prefeitura de Porto Alegre para que instale câmeras de monitoramento externas e internas nos postos da Capital, além de oferecer dois guardas municipais fixos em cada uma das unidades. Até agora, segundo Mendes, nada foi feito.
Com a Brigada Militar (BM), o Simers conseguiu estabelecer parceria para ter contato direto com os comandantes dos batalhões onde ficam as unidades de saúde. Sempre que ocorre um crime, eles são acionados diretamente pelo celular. Ainda assim, Mendes defende que a BM reforce as rondas.
Na manhã desta terça-feira, funcionários do posto onde ocorreu o ataque de segunda-feira, integrantes do sindicato, agentes comunitários e membros da Guarda Municipal, entre outros, se reuniram no local para buscar saídas para a insegurança.
Uma das exigências, além do reforço na atuação de guardas e PMs, é maior agilidade na instalação das câmeras e do chamado "botão de pânico" e reformas na unidade para reposicionar os consultórios, dificultando o acesso de ladrões.
– A ideia é que o botão seja ligado ao Centro Integrado de Comando da Capital. Sempre que houver uma situação de gravidade, será acionado, e a Guarda Municipal entrará em contato. Esperamos que, até março, esteja em funcionamento – afirma Simone Justo Hahn.
O tenente-coronel Kleber Goulart, que responde pelo Comando de Policiamento da Capital, diz que a corporação vai reforçar o patrulhamento na região da Vila Cruzeiro. Segundo ele, todos os postos e unidades de saúde "são alvos prioritários da BM".
– Esses pontos recebem muita gente, inclusive criminosos feridos, por isso já são, normalmente, tratados como prioridade. Estamos abertos a melhorias e, sempre que os funcionários dos postos precisarem, mesmo quando houver apenas suspeita, devem nos acionar – diz Goulart.
No fim da tarde, a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal da Segurança divulgou nota oficial. A nota informa que não cabe à Guarda Municipal à instalação de câmeras, apenas o monitoramento. A viabilidade técnica e financeira compete à Secretaria Municipal da Saúde, segundo a qual há previsão de instalação no Pronto Atendimento da Cruzeiro do Sul, o "postão".
Sobre botão antipânico, informa que "estamos instalando o novo software com maior capacidade de reposta". A previsão da instalação, conforme a nota, "é ainda para o primeiro semestre de 2016".
Quanto à permanência de dois guardas fixos, o texto afirma que a Guarda Municipal "já realiza o patrulhamento em todos os postos de saúde do município e irá intensificar as rondas" e que "seria inviável" manter dois agentes fixos em cada posto, "pois atendemos 150 postos numa escala de 12 por 36 horas". Com isso, "seriam necessários mais 1.350 guardas municipais", sendo que existem "497 agentes que têm como atribuição atender também 593 setores da prefeitura, entre escolas municipais, postos de saúde, parques e praças e outros setores públicos".
OS CASOS DE VIOLÊNCIA
Levantamento do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) indica um crescimento dos ataques contra postos de saúde, ambulatórios e hospitais entre 2014 e 2015.
2014: 14 ocorrências
Oito em Porto Alegre, duas em Canoas, uma em São Leopoldo, uma em Guaíba, uma em Viamão e uma em Santa Maria.
2015: 31 ocorrências
22 em Porto Alegre, duas em Novo Hamburgo, uma em Venâncio Aires, uma em Santo Ângelo, uma em São Marcos, uma em Cachoeirinha, uma em Iraí e uma em Rio Grande.
2016: 1 ocorrência
Em Porto Alegre, na Unidade Básica da Vila Cruzeiro.
Total nos três anos: 43 ocorrências