Dezenas de amigos, familiares e fãs estiveram no cemitério João XXIII na tarde de terça-feira para aplaudir pela última vez Flávio Basso, o Jupiter Apple. Integrantes dos principais projetos artísticos de Jupiter, como as bandas TNT e Os Cascavelletes, os músicos Charles Master, Nei Van Soria, Alexandre Barea, Frank Jorge, Bruno Suman e Julio Cascaes carregaram o caixão do artista, que, sob uma salva de palmas, foi depositado em uma urna.
Segundo familiares, o músico de 47 anos foi vítima de um infarto agudo do miocárdio na tarde desta segunda-feira. Jupiter passava por um período de reabilitação e estava um pouco fraco por conta dos remédios que tomava para superar a abstinência alcoólica.
– Ele estava no banho, na casa de um amigo. A Samu veio, fez de tudo, mas não teve jeito. Não se sabe se ele caiu ou sentou quando sentiu a dor. Foi algo rápido, fulminante – conta a mãe de Basso, Iara.
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O corpo de Jupiter, que tinha mechas vermelhas no cabelo, foi vestido com uma jaqueta de couro – parecia pronto para subir ao palco. A emoção do público que se reuniu durante o dia para o velório, no Teatro Renascença, também foi digna de um show. Ao lado do caixão, a irmã e o pai do músico alternavam-se entre a resignação e a incredulidade. Entre os fãs, não foram poucos os que se desesperaram ao ver o rosto do ídolo. O menino que queria cantar como o beatle George, por fim, se mostrou mais importante para esses guris – de 15 ou 60 anos – do que os quatro garotos de Liverpool juntos. Nos alto-falantes, canções como Um Lugar do Caralho e Miss Lexotan 6mg eram acompanhadas pelos presentes em sussurros e davam dimensão do artista ali homenageado.
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Não foi à toa que a calçada em frente ao Renascença se transformou em muro de lamentações, em grande parte formada por jovens nascidos depois do lançamento de A Sétima Efervescência (1997) que limpavam as lágrimas em camisetas com a estampa dos Cascavelletes ou do TNT. Repetia-se, em outro cenário, cena do dia anterior, quando, horas após o anúncio da morte, frequentadores do Bambus, um dos bares centrais da cena rock de Porto Alegre, prestaram uma homenagem ao ídolo, tocando músicas de sua carreira ali mesmo, nas calçadas da Independência. A poucos metros do Bambus, há o prédio do antigo Garagem Hermética, casa de shows que recebeu apresentações históricas de Jupiter.
Na terça-feira, por volta das 10h, amigos, conhecidos e fãs de Jupiter já estavam reunidos, contando histórias que passaram ao lado do músico, um dos pilares mais importantes do que se convencionou chamar de rock gaúcho.
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– Eu conheci o Flávio em um show de colégio. Ele encarnava no palco o que a gente queria ser fora dele – conta Frank Jorge, que tocou baixo nos Cascavelletes, banda que tinha como líder um Flávio Basso endiabrado, sexualmente incontrolável e com talento para transformar a fúria juvenil em poesia.
A Frank, um dos primeiros a chegar na cerimônia, se juntaram posteriormente nomes como Flu, Edu K, Márcio Petracco, Charles Master, Carlo Pianta, Diego Medina, King Jim, Luis Henrique Tchê Gomes, entre muitos outros fundadores do rock do Estado. Entre os mais emocionados estava Lucas Hanke, o Cabelo, guitarrista da Identidade que há muito tocava ao lado do "man", como era chamado Basso no meio musical. Segundo ele, o músico se mostrava muito empolgado nos últimos dias.
Dono de uma carreira criativa e inventiva, Júpiter conseguiu somar ao seu rock psicodélico gêneros como a bossa nova, o eletrônico, o samba e o punk – e queria mais. Ele vinha compondo músicas novas, planejava um disco de inéditas e tinha show marcado para esta terça-feira, no Panamá Studio Pub, no bairro Cidade Baixa. O evento não foi cancelado – amigos e admiradores se reuniriam no local para contar histórias sobre o músico e tocar canções de seu repertório.
Não foi só Cabelo que lembrou de gravações esquecidas de Júpiter Maçã. Pelo que se percebe, talvez haja mais composições do Apple nas gavetas dos estúdios de Porto Alegre do que em gravações oficiais. Tchê Gomes, guitarrista da TNT, contou que em 2000 recebeu Júpiter na casa de sua tia e gravou algumas canções com ele no piano da casa – ao falar sobre os problemas que o levaram à morte, Tchê disse que "a arte não cabia no Flávio". Pilla, guitarrista da Bidê ou Balde, tem lembranças parecidas sobre gravações amadoras, dessa vez em 2005:
– Uma vez, passamos uns quatro ou cinco dias juntos no hotel dele. A Bidê tinha acabado de gravar o Acústico MTV e ele tinha gostado de Mesmo que Mude. Nos encontramos num bar, ele comentou isso e acabamos indo para o hotel dele. Compusemos umas 10 músicas, que nunca foram gravadas.
Um encontro de fãs para homenagear Jupiter Apple estava programado para as 21h de terça-feira, com mais de mil pessoas confirmadas no página do evento. Marcado no Largo Zumbi dos Palmares, o "violaço" não ocorreu por conta da chuva. Parte do público, no entanto, marcou presença no Panamá Studio Pub, onde o músico tinha um show programado.