Com um histórico de problemas financeiros e de má gestão (veja mais abaixo), o Hospital de Caridade de Canguçu (HCC), único hospital do município do sul do Estado, corre risco de fechar as portas. Alegando créditos milionários – cuja existência o governo estadual nega –, a administração da instituição filantrópica ganhou apoio da prefeitura que, nesta terça-feira, decretou estado de calamidade pública no setor hospitalar.
Segundo o prefeito Gerson Cardoso Nunes (PT), o Estado foi notificado, mas ainda não reconheceu o decreto e não existe um prazo para isso. A expectativa é de que o governo sinalize positivamente e, com isso, libere recursos imediatamente para pagar os débitos e poder continuar atendendo. O principal ganho, com o reconhecimento do decreto por parte do Estado e da União, é desburocratização dos processos e agilidade nos repasses.
– Com os recursos que temos e com a parceria com outros hospitais da região, garantimos atendimento até o dia 4, depois disso, o futuro é incerto _ afirmou Nunes. – Há, sim, risco de fechar – admite.
Com um repasse de R$ 316,8 mil pelo governo na última segunda-feira, após reunião entre as partes, a casa hospitalar quitou dívidas com os funcionários. No entanto, divulgou que não tem verba para compra de medicamentos e manutenção de outros serviços. Atualmente, apenas partos, urgências e emergências estão sendo atendidos no hospital. Os demais casos têm de recorrer a cidades vizinhas como Piratini, Rio Grande e Pelotas.
– É triste entrar no hospital (de Caridade). Apenas 10% da capacidade estão funcionando. Os quartos estão vazios – disse o prefeito.
A direção do hospital não conversou Zero Hora nesta quarta-feira. Conforme o prefeito, a dívida do Estado com o hospital passa de R$ 10 milhões, o que o governo nega. Segundo ele, a divergência estaria na “produção”, ou seja, entre o número de atendimentos que o HCC diz que faz via SUS e na quantia pelo qual recebe verba estadual. Apesar disso, Nunes cita repasses garantidos ao hospital, que somariam mais de R$ 1,5 milhão, relativos a uma consulta popular e ao Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (Faec) de 2014 e 2015, que não foram pagos.
Contatado, o governo do Estado não respondeu sobre a situação de calamidade pública. Em nota, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) disse que “as informações divulgadas pela direção hospitalar, de que a SES/RS não realizou os pagamentos devidos, não encontram respaldo na realidade” e ainda citou um saldo positivo que teria com a instituição, pois foram repassados R$ 116 mil além do necessário em incentivos de outubro e novembro. Leia a íntegra da nota no fim da matéria.
Histórico de problemas recentes no Hospital de Caridade de Canguçu:
Fevereiro de 2012 - Por determinação da Secretaria de Saúde do Estado, a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) neonatal do Hospital de Caridade de Canguçu, no sul do Estado - inaugurada três meses antes para ampliar o atendimento via Sistema Único de Saúde (SUS) - teve as portas fechadas. A causa seria o baixo número de profissionais: o local funcionava com quatro médicos, enquanto que a exigência do Estado é de, no mínimo, nove médicos.
Maio de 2013 - O Hospital de Caridade de Canguçu foi interditado e os gestores foram destituídos. O prefeito declarou estado de calamidade pública no sistema hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS) e má gestão por parte da administração. Serviços como cirurgias e UTIs neonatal e adulto foram fechadas, e existia iminência de fechamento do pronto-atendimento. Em 90 dias de funcionamento da UTI neonatal, morreram no local 12 bebês dos 45 atendidos.
Julho de 2015 - O Hospital de Caridade de Canguçu cobrou R$ 1 milhão do Estado para pagar prestadores de serviço, médicos e funcionários, além de dívidas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Caso o pagamento não fosse depositado, a direção prometeu paralisar o atendimento, inclusive o de emergência.
Leia a íntegra da nota do governo:
Nota à imprensa – Hospital de Caridade de Canguçu
Sobre as manifestações sobre o possível fechamento do Hospital de Caridade de Canguçu, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) esclarece que:
O Hospital aderiu ao FUNAFIR 8 e recebeu valor total de R$ 1.793.112,26. Deste valor, mais de R$ 597 mil eram referentes às dívidas de 2014 e pouco mais de R$ 543 mil referentes aos atrasos de 2015. E R$ 651.694,60 mil foram valores que contemplavam os incentivos de outubro e novembro. Essa contemplação engloba a média complexidade e incentivos federais de outubro e a competência novembro dos incentivos federais.
Percebe-se que a maior parte do valor recebido pelo Hospital, referente ao FUNAFIR, não era vinculado às dívidas do Estado com a Instituição. Na competência Outubro/2015, o Hospital tinha valor global a receber de R$ 428.521,82 mil e foram descontados R$ 183.717,54 mil referentes a empréstimos anteriores, já contraídos pela direção hospitalar e mais R$ 216.297,04 mil referentes à contemplação dos incentivos que a instituição recebeu via FUNAFIR.
Na competência Novembro/2015, o Hospital tinha R$ 564.894,03 mil, dos quais R$ 183.717,54 mil foram descontados por ser de empréstimo realizado anteriormente pela instituição hospitalar e mais R$ 316.830,31 mil foram descontados referentes à contemplação das competências recebida via FUNAFIR. Portanto, fica claro que o Governo do Estado agiu de forma correta, tanto auxiliando o Hospital de Caridade a receber os valores de direito, como mantendo seu compromisso com a transparência e zelo pelos recursos públicos, ao descontar os incentivos já pagos anteriormente.
Cabe salientar que dos mais de R$ 651 mil que o Hospital recebeu referentes aos incentivos de outubro e novembro, a SES/RS descontou um total de R$ 533 mil, restando um saldo a ser descontado na ordem de R$ 118.567,25 mil, que serão descontados nos próximos pagamentos ao Hospital.
Reafirmando o compromisso de total transparência em seus atos e uma gestão pública focada na realidade financeira do Estado, a SES/RS se mantém aberta ao diálogo para que não haja prejuízos ao usuário do Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, as informações divulgadas pela direção hospitalar, de que a SES/RS não realizou os pagamentos devidos, não encontram respaldo na realidade.