Apostar todas as fichas no bombardeio aéreo, sem tropas por terra e ataque às fontes de financiamento, não será suficiente para derrotar o Estado Islâmico, analisa Andrew Traumann, doutor em História e professor de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba.
VIDEOGRÁFICO: o que é o Estado Islâmico?
O Ocidente aposta nos bombardeios aéreos contra Raqqa. Com essa estratégia, será possível derrotar o EI?
Somente com isso, não. Putin (Vladimir, presidente da Rússia) conclamou a união com Estados Unidos e França contra o EI. E que se deixe de lado um pouco a questão do al-Assad (Bashar, presidente da Síria. Os EUA exigem a sua saída do cargo). A Rússia propôs que, primeiro, seja derrotado o EI. Depois, se decida o que fazer quanto ao al-Assad. A Rússia estava obtendo sucesso em bombardeios aéreos que vinha fazendo contra grupos na Síria porque tinha o apoio do exército sírio do al-Assad no solo.
Sem ajuda em terra, não será possível. E temos a questão econômica. O EI vende petróleo no mercado negro, participa do tráfico de armas, conta com várias fontes de renda. Quem compra armas? Quem faz doações? É preciso tentar a pressão econômica além da questão militar. Se você apela só para a questão militar, é ruim para a propaganda. Você vai acabar ocasionalmente matando civis, e isso vai ser usado pelo EI contra o Ocidente. Eles dirão: 'Estão matando crianças, veja como o Ocidente odeia os muçulmanos'.
Eles querem o choque de civilizações. O objetivo dos ataques terroristas é dificultar a assimilação dos refugiados na Europa. Querem que eles sejam deportados e expulsos. Assim, voltariam com ressentimento da Europa, prontos para serem cooptados pelo EI.
Nesta semana, um dos bombardeios resultou em pelo menos 33 combatentes do EI mortos. Seriam 33 de um exército que se estima ter entre 20 mil e 32 mil homens. Isso é uma amostra de que algo está errado na estratégia?
Exato, não funciona. Alguns analistas militares norte-americanos dizem que o contingente do EI seria maior, próximo dos 100 mil. Esse número de cerca de 30 mil é de 2014. Os analistas fizeram cálculos matemáticos para ver quantos homens seriam necessários para ocupar a área que está sob o poder do EI na Síria e no Iraque. Não são apenas soldados, eles administram cidades, cobram impostos. Muitos não pegam em armas, mas estão na administração desse estado. Há engenheiros e advogados, por exemplo.
Qual seria o combate mais eficaz? Atacar por terra? Secar o financiamento?
Eu diria que são três pontos: militar, político e econômico. O militar é a combinação de ataques aéreos com apoio de tropas terrestres. Os bombardeios russos têm sido muito precisos. Combinados com as tropas do al-Assad, focadas no combate ao EI, poderão começar a dar resultado. Uma aliança entre Estados Unidos e Rússia seria fundamental, mas o Obama (Barack, presidente dos EUA) pensa um pouco nas eleições do ano que vem. Ele tem interesse de que os Democratas permaneçam no poder, e entrar em outra guerra no Oriente Médio poderá prejudicá-lo. Soldados americanos ainda estão no Iraque e no Afeganistão. Na questão econômica, impedir quem estiver comprando petróleo e fazendo comércio com o EI.
No político, Arábia Saudita, Catar, Kuwait e Emirados Árabes Unidos começaram a financiar esse grupo como se ele fosse só mais um radical. Fizeram isso com o intuito de derrubar o Bashar al-Assad. É do interesse da Arábia Saudita derrubar o al-Assad para enfraquecer o Irã, que só tem dois amigos na região: o próprio al-Assad e o Hezbollah. Um caminho é pressionar esses estados a pararem de financiar o EI. Talvez hoje eles não apoiem tão fortemente porque viram o monstro que foi criado, mas há afinidade ideológica entre Arábia Saudita e EI.
Quase ninguém está falando sobre a Turquia. Não haveria um fluxo tão grande de militantes da Europa para o EI sem a facilitação da Turquia (Para ir da Europa à Síria, é preciso atravessar a Turquia). Por que o governo turco fez vista grossa? Por causa dos curdos, que estavam sendo combatidos pelo EI. Os curdos formam uma etnia que sempre foi muito discriminada pelo governo turco. Os curdos sempre foram vistos como inimigos por serem separatistas, por quererem criar o Curdistão, que pegaria parte do território turco. Então a Turquia fez vista grossa para que passassem mais combatentes, para enfraquecer os curdos.
Essa estratégia agora se voltou contra a Turquia. Ela viu o monstro que ajudou a criar. Uma massa gigantesca de refugiados entrou no país (seriam 2,2 milhões de sírios) e o EI também já reivindicou um atentado terrorista que recentemente aconteceu na Turquia.