Sem dinheiro suficiente em caixa, o governo do Estado aposta no aval da Assembleia Legislativa para conseguir pagar os servidores do Poder Executivo em dia na segunda-feira. A estratégia do Palácio Piratini é aprovar nesta terça-feira o projeto de lei que oferece desconto para estimular a General Motors (GM) a antecipar a devolução de recursos obtidos por meio de incentivos fiscais - que, do contrário, seriam revertidos ao longo dos próximos 20 anos.
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Se a proposta passar pelo crivo dos parlamentares, pode render cerca de R$ 300 milhões para o governo - um paliativo diante da crise financeira. Na prática, o Piratini propõe deságio de 17,75% sobre financiamentos concedidos via Fundo de Fomento Automotivo do Rio Grande do Sul (Fomentar-RS), programa criado em 1996, na gestão de Antônio Britto (PMDB), para impulsionar o complexo automotivo de Gravataí.
- O projeto faz parte de uma série de medidas para enfrentar as enormes dificuldades financeiras até o final do ano, que indicam um déficit (gasto maior do que a arrecadação) de R$ 3,6 bilhões. A situação nos obriga, literalmente, a vender o futuro para pagar o passado - diz o secretário da Fazenda, Giovani Feltes.
Oposição considera percentual elevado
O líder do governo na Assembleia, Alexandre Postal (PMDB), avalia que não haverá problemas para aprovar a proposta.
- Não vejo dificuldades, a menos que os deputados optem pelo "quanto pior, melhor". Se não votarmos o projeto ou se for rejeitado, não será possível pagar a folha. Será que é isso o que eles querem? Não tem por que não aprovar - argumenta Postal.
Embora o apoio da base aliada seja dado como certo, o mesmo não se pode dizer da oposição. Pedro Ruas (PSOL) entende que o desconto proposto é excessivo.
- Vou votar contra, porque isso representa renúncia fiscal. É o mesmo que abrir mão de receita, o que é um absurdo. O governo deveria investir na cobrança da dívida ativa - critica Ruas.
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O líder da bancada do PT, Luiz Fernando Mainardi, afirma que o assunto será discutido nesta terça pelos petistas. Operação semelhante foi feita no governo Tarso Genro (PT) no final do ano passado, com a antecipação de R$ 90 milhões devidos pela GM, porém com desconto menor. Não foi preciso enviar projeto à Assembleia porque o percentual oferecido era o que já estava previsto em decreto de 2004.
- Somos favoráveis à ideia, mas ainda queremos debater se o percentual oferecido não está fora da realidade - pondera Mainardi.
Chefes de poderes avaliam pagar 13º com economias do ano
A cúpula do governo assegura ter a adesão da montadora à proposta. Em reunião realizada no último dia 13 com secretários de Estado, representantes da GM teriam confirmado a decisão de antecipar a quitação imediatamente, assim que a nova lei for publicada. O Piratini trabalha com a possibilidade de que isso ocorra até quinta-feira, o que garantiria a transação em tempo hábil, já que a folha será paga na segunda-feira.
Procurada por ZH, a direção da GM informou, por meio da assessoria de imprensa, que não se manifestaria sobre o assunto.
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O que será votado pelos deputados
O que diz o projeto
Proposto pelo Poder Executivo, o projeto altera a lei nº 10.895, de 1996, que instituiu o Fundo de Fomento Automotivo do RS (Fomentar-RS).
O texto oferece desconto para a empresa beneficiada - no caso, a GM - liquidar antecipadamente o financiamento obtido por meio de créditos fiscais.
O desconto, válido até 28 de dezembro, será equivalente à taxa Selic (14,25%) mais 3,5 pontos percentuais, totalizando 17,75% sobre o valor dos financiamentos contratados.
A justificativa
No texto do projeto, o governo reconhece que o desconto oferecido é maior do que o original, definido por decreto em 2004 (equivalente à taxa Selic mais 2 pontos percentuais).
Apesar disso, o governo argumenta que o acréscimo se justifica "pelas condições macroeconômicas da nação".
Para o Piratini, o projeto é uma alternativa emergencial para conseguir dinheiro para evitar novo parcelamento da folha de pagamento do funcionalismo do mês de novembro.
O que é o Fomentar-RS
O programa foi criado por lei em 1996 para estimular o desenvolvimento do Complexo Automotivo de Gravataí.
Surgiu com o objetivo de financiar o capital de giro das empresas na forma de empréstimo via Banrisul ou de créditos fiscais presumidos (um tipo de desoneração).
A GM foi a única a aderir, por meio de créditos fiscais presumidos, gerados de 2006 para cá. O último pagamento, segundo a Secretaria da Fazenda, se encerra em 2035. O valor total é de cerca de R$ 650 milhões.
Estratégia no caixa
Folha de pagamento do Poder Executivo: R$ 950 milhões
Como o governo pretende pagar: R$ 300 milhões da GM, R$ 80 milhões da conta dos depósitos judiciais (recursos de terceiros em litígio na Justiça) e R$ 390 milhões de ICMS e repasses federais = R$ 770 milhões
Faltarão cerca de R$ 180 milhões. Para garantir os salários, o governo deverá atrasar repasses as fornecedores, hospitais e prefeituras para cobrir o valor pendente.