Saint-Denis, subúrbio ao norte de Paris de pouco mais de 100 mil habitantes, despertou na madrugada desta quarta-feira em estado de sítio, invadida por policiais e militares e sacudida por rajadas de metralhadoras e explosões. Os moradores, arrancados de seu sono em meio ao pesadelo real de uma França sob a ameaça terrorista, se mostravam atordoados após vivenciar sete horas de operação de guerra.
- Desde a sexta-feira, o clima já era bastante tenso, com sirenes a toda hora e revista de bolsas por todo lugar. Mas hoje (quarta-feira) foi exagerado, a troca de tiros foi muito assustadora, uma Bagdá, algo realmente muito triste - desabafou a mineira Silvia Capanema, naturalizada francesa desde 2010 e eleita vereadora em Saint-Denis no ano passado.
Ela mora no Bulevar de la Commune de Paris, a cerca de 500 metros dos alvos da ação policial da madrugada de quarta.
- Estava dormindo em casa e fui acordada por minha filha pequena. E aí ouvimos tiros, muitas sirenes, helicópteros - contou, assustada mas também agradecida pela intervenção das forças especiais, que dizem ter impedido mais um atentado no país.
Seu sentimento foi compartilhado por muitas outras testemunhas da atípica e aterradora madrugada e manhã de quarta-feira.
Najid Kaiam acordou por volta das 4h20min com os primeiros tiros. Primeiro, abriu a janela, e depois decidiu descer à rua. Avançou por 30 metros, viu pessoas correndo, gritando, e logo retornou ao lar.
- Moro no fim da Rua de la République. Tive realmente medo. Mesmo na TV nunca ouvi tiroteio assim. E teve o barulho de granadas e bombas. Minha filha chorava o tempo todo - relatou.
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As declarações do diretor-geral da Polícia Nacional, Jean-Marc Falcone, provam que os moradores não exageraram:
- Mesmos policiais habituados a intervenções desse tipo disseram que foi muito complicado. Eles enfrentaram homens com armas de grosso calibre e com uma determinação sem limites. Foi um combate muito duro em nível de intensidade.
O estudante de engenharia Vincent Kodio, 19 anos, outro morador da Rua de la République, deitou-se por volta da 1h da manhã e saltou da cama com o tiroteio na janela.
- De cara, achei que não era grande coisa, mas vi os policiais do Raid (força especial da polícia francesa), e tudo foi aumentando, ouvi explosões e comecei a me assustar. Depois liguei a TV e vi que tudo aquilo não iria acabar muito cedo - disse Vincent.
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Saint-Denis já foi palco de tumultos no passado, mas nada que se comparasse aos acontecimentos desta quarta, segundo moradores.
- Nas confusões que já houve por aqui, nunca me senti em perigo. Não estamos habituados a isso. Isso tudo é muito doente - acusou o estudante.
Filho de pai do Mali e de mãe francesa, Vincent se diz ateu e "com muitos amigos de origem muçulmana":
- A situação é triste, vejo um grande aumento da xenofobia e da islamofobia. Mas não aqui em Saint-Denis, e sim nas redes sociais. No nosso cotidiano, não sinto muito isso, mas na internet é direto e crescente.
Para o jovem morador de Saint-Denis, o maior perigo consequente dos atentados é no campo político, com "aumento dos extremismos":
- Isso é algo concreto. Haverá mudanças nesse aspecto. Como nos Estados Unidos, com tudo o que se passou após o 11 de Setembro. As pessoas veem na TV a guerra na Síria, mas não compreendem muito bem as razões disso tudo. Não sabem o por quê dos bombardeios, nem entendem os atentados. Vejo uma incompreensão geral. Nos sentimos vítimas de um conflito que não é nosso.
Saint-Denis anoiteceu ferida, com marcas de tiros em seus muros e na recordação de ecos de explosões. As autoridades ainda mantinham um perímetro bloqueado para permitir o minucioso trabalho da polícia científica no esconderijo dos terroristas.
"É preciso evitar a estigmatização muçulmana", diz vereadora
Silvia Capanema, 35 anos, mineira naturalizada francesa em 2010, foi eleita vereadora de Saint-Denis pelo Partido Comunista Francês (PCF) no pleito de 2014.
Em sua convivência nas comunidades, você vê pessoas indulgentes com um islamismo mais radical e, na outra ponta, aumento da islamofobia?
Desta vez, ao contrário do que ocorreu em relação aos ataques de janeiro (contra a revista Charlie Hebdo), não vi gente a favor dos atentados. É diferente. Mas existe um sentimento anticolonial. É algo que sempre volta, mas agora não é hora de tocar nisso. A França teve seu passado colonial, mas é um país receptivo e de liberdades. Hoje há uma tensão muito grande que desvia do debate econômico, por exemplo, com o corte dos serviços públicos, que agrava a situação social, e mais as discussões como o uso ou não do véu islâmico. Por um lado, há mais preconceito contra os muçulmanos, e por outro, um aumento da radicalização. Esse debate existe na sociedade e cria tensões. São questões delicadas.
Qual seu sentimento em relação ao que aconteceu nos últimos dias na França e aqui em Saint-Denis, sua cidade?
Necessito de mais tempo, com cabeça fria, para poder avaliar tudo o que acaba de acontecer. Mas é preciso evitar, de qualquer forma, uma espécie de estigmatização, de pensar que os muçulmanos que estão aqui são todos perigosos e potencialmente terroristas. Em relação ao número de pessoas de origem muçulmana na França, a radicalização é muito pequena, e a grande maioria é moderada, tranquila. Aqui ficou todo mundo muito assustado com os atentados de sexta-feira, e há um medo em relação ao que pode acontecer daqui para a frente. Há o temor do renascimento de uma tentação fascista, de que disso tudo nasça uma coisa de segurança exagerada. E, ao mesmo tempo, a segurança é importante para sermos livres. A questão é como ter uma segurança efetiva que respeite as liberdades.
Em vídeo, veja como foi a sequência dos ataques em Paris:
Confira o mapa dos ataques: