Preso na manhã desta terça-feira, em Brasília, durante a 21ª fase da Operação Lava-Jato, batizada de Passe Livre, o empresário e pecuarista José Carlos Bumlai tornou-se um importante personagem no quebra-cabeça do esquema bilionário de corrupção na Petrobras e em outras empresas. Próximo ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Bumlai tinha acesso livre ao gabinete da Presidência durante os oito anos de mandato do petista.
Citado em supostas negociações fraudulentas para cobrir dívidas da campanha de reeleição de Lula em 2006, ele foi conduzido para a sede da Polícia Federal (PF) em Curitiba (PR) para prestar esclarecimentos que podem colocar o ex-presidente no centro da Lava-Jato nas próximas semanas.
Lula e o pecuarista, nascido em Corumbá (MS), conheceram-se em 2002 e se tornaram amigos íntimos. A aproximação marcou uma virada no discurso de Lula, que assumiu publicamente um compromisso em defesa da propriedade e da produção e afastou definitivamente a possibilidade de uma reforma agrária radical.
Imagens do programa de TV da campanha petista em 2002 foram gravadas na fazenda de Bumlai. Em entrevista à revista Dinheiro Rural, em 2009, o pecuarista contou que o ex-presidente, antes de ser eleito, ficou hospedado em sua fazenda e que eles ficavam "todos os dias conversando até as três, quatro da manhã".
A amizade foi reforçada com churrascos, pescaria e muita conversa. Nos bastidores, chegou-se a especular que Bumlai seria convidado para ser ministro da Agricultura do governo petista. Ele não foi tão longe, mas tornou-se membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social desde sua criação, em 2003, participando de grupos de trabalho de bioenergia, pecuária, infraestrutura, reforma tributária e reforma previdenciária.
Moro diz que Bumlai cometeu fraude em favor do PT
Em Mato Grosso do Sul, o pecuarista era reconhecido por ter os confinamentos mais produtivos do país, como a Fazenda Crista, na cidade de Miranda. Em 2009, estimava-se que ele possuía quase 100 mil cabeças de gado. Foi sua capacidade empreendedora que encantou Lula. A admiração era recíproca, como o próprio Bumlai deixou claro na entrevista à revista Dinheiro Rural:
- Quando o conheci, apresentado pelo governador Zeca do PT, fiquei impressionado com a sua visão sobre todos os problemas brasileiros. Assim como Getúlio Vargas fez história com a Petrobras e JK com a construção de Brasília, Lula será lembrado pelo impulso que deu aos biocombustíveis - disse ele na ocasião.
O jeito discreto do pecuarista o fez ganhar respeito no meio político e, segundo as investigações da Lava-Jato, motivou ganhos pessoais que começam a ser conhecidos por meio das delações premiadas. Na ordem de prisão expedida contra Bumlai, o juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro, afirma que o suspeito participou de um esquema de propinas semelhante ao do mensalão. Ele teria usado o nome de Lula de maneira indevida para obter benefícios.
"Releva destacar que modus operandi similar foi identificado no julgamento da Ação Penal 470 (mensalão). Com efeito, naquele caso também identificados empréstimos milionários concedidos pelo Banco Rural a empresas controladas por Marcos Valério, SMP&B Comunicação, Graffiti Participações e DNA Propaganda, e que também não eram pagos, nem cobrados, sendo os recursos destinados igualmente ao PT, como, aliás, confessado naquele processo por Marcos Valério e por Delúbio Soares", ressalta Moro.
Bumlai teria utilizado contratos firmados na Petrobras para quitar empréstimos junto ao Banco Schahin. O principal empréstimo tem valor de R$ 12 milhões. Ele teria socorrido o PT com o montante, que precisaria urgentemente de dinheiro para quitar dívidas da campanha de reeleição de Lula.
A delação premiada de Eduardo Musa, ex-gerente da área internacional da Petrobras, aponta que havia uma dívida de R$ 60 milhões da campanha presidencial de 2006 com o banco Schahin. Para quitá-la, seria utilizado o contrato de operacionalização do navio-sonda Vitória 10.000. Por isso, Bumlai tomou o empréstimo de R$ 12 milhões no banco Schahin. Eduardo Musa disse a Moro que "inclusive presenciou Bumlai atendendo e fazendo ligações telefônicas para Lula e o grau de intimidade nas conversas era realmente muito grande".
Bumlai falou que ia acionar o "barba"
Entre os principais esclarecimentos prestados pelo delator Eduardo Musa à Justiça, consta uma possível interferência de Lula para confirmar a contratação do Grupo Schahin para operar o navio-sonda Vitória 10.000, de US$ 1,6 bilhão. A Petrobras atentava para o fato de que o grupo tinha apenas uma sonda. "Nas duas primeiras vezes o depoente (Musa) não chegou a cobrar de Bumlai quem seriam os interlocutores dele; na terceira vez, porém, o depoente pressionou Bumlai para que ele acionasse os contatos dele, em especial Gabrielli (José Sérgio, então presidente da estatal) e Lula; que Bumlai respondeu que o depoente poderia ficar tranquilo pois iria acionar Gabrielli e o 'Barba', que era como Bumlai se referia ao Presidente Lula; que Bumlai disse ao depoente que, assim que tivessem feito os contatos, iria avisá-lo para que a questão fosse colocada em pauta; que Bumlai posteriormente avisou o depoente que tudo estava certo e que poderia levar a questão à Diretoria Executiva, pois seria aprovada; que Bumlai não citou nomes, mas afirmou que tinha conversado com as 'pessoas'", revela Moro.
O delator Fernando Baiano chegou a interceder junto à diretoria internacional da Petrobras em favor da Schahin, mas devido às dificuldades de fechamento do negócio, ele instou Bumlai, de acordo com Moro, a acionar os contatos dele, no caso o então presidente Lula e Gabrielli. Depois, o negócio foi fechado. O delator Eduardo Musa falou a Moro que o desfecho positivo trouxe um alívio ao pecuarista, que era pressionado
Baiano também relatou à Justiça que Lula chegou a fazer lobby em favor da OSX, de Eike Batista, junto à Sete Brasil, empresa criada para a construção de navios-sonda e que está envolvida na fraude da Petrobras. Conforme o delator, Bumlai cobrou R$ 2 milhões de propina para mobilizar o petista. O dinheiro, falou Baiano, teria ido para uma das quatro noras de Lula.
No cruzamento de dados da PF, também consta que o presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht - preso na Lava-Jato -, teve pelo menos sete encontros reservados com Bumlai entre 2010 e 2013.