Um pedido de vista do ministro Luiz Fux adiou a votação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o uso do banheiro feminino por transexuais. Agora, o recurso de uma transexual de Florianópolis, impedida de usar o sanitário feminino no Beiramar Shopping em agosto de 2008, não tem data para voltar ao plenário da mais alta Corte do país. Envolta em polêmica, a decisão deve criar jurisprudência sobre o tema, fazendo que juízes de todo país adotem sentenças semelhantes à do STF.
O recurso movido pela transexual Ama dos Santos Fialho já estava na pauta de quarta-feira, porém nem chegou a ser discutido. Nesta quinta-feira, dois ministros chegaram a proferir seus votos – tanto o relator Luis Roberto Barroso quanto o ministro Edson Facchin se manifestaram a favor de Ama, pedindo a restituição da indenização por danos morais determinada pela primeira instância e revertida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) – antes do pedido de vista de Fux.
Em seu voto, o relator Luis Roberto Barroso defendeu argumentação a favor do direito de minorias e também da "dignidade da pessoa humana", já que transexuais femininas se sentem mulheres e seriam desrespeitadas ao terem de usar o banheiro masculino. Mesmo admitindo que possa haver, em alguns casos, desconforto por parte das pessoas que estiverem utilizando o banheiro feminino, Barroso afirmou que este não se compara ao constrangimento imposto aos transexuais.
– A injustiça a ser combatida nesse caso não está na lei. Está nos códigos culturais (da sociedade brasileira) – afirmou o ministro relator.
Além de concordar com o voto de Barroso, o ministro Edson Fachin também pediu a condenação do Beiramar Shopping e a majoração da indenização por danos morais para R$ 50 mil (primeira instância deu R$ 15 mil), com correção monetária de 1% ao mês a partir de agosto de 2008, mês em que Ama foi impedida de usar o banheiro feminino no local. Fachin também pediu a inclusão do nome social da transexual ao lado do nome de nascimento (André dos Santos Fialho) em documentos oficiais.
Após o voto de Fachin, o ministro Fux tomou a palavra e indicou que pediria vista do processo com o argumento de haver "desacordo moral" em alguns pontos a serem esclarecidos sobre o tema. Além disso, Fux relembrou o caráter conservador de grande parte da sociedade brasileira, que teria ressalvas quanto ao tema.
Advogada diz que pedido de vista não era inesperado
Defensora de Ama no caso, a advogada Isabela Pinheiro da Silva afirmou que o pedido de vista, historicamente, é comum no STF em julgamentos polêmicos. Ela espera, agora, que haja celeridade no processo, enquanto mantém uma expectativa positiva.
– Claro que existe uma certa frustração por não ter definido o tema hoje, mas estamos otimistas. Os dois votos proferidos hoje nos animam. O que fazemos questão de deixar claro é que não se trata de uma questão de opinião. É uma questão de reconhecer diretos fundamentais. Reconhecer a existências dos transexuais – diz Isabela.
Parecer positivo da PGR
Ainda em outubro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deu parecer favorável ao uso de banheiros conforme a identidade de gênero da pessoa. O relator da ação é o ministro Luís Roberto Barroso.
No recurso extraordinário de Ama (nº 845779), a defesa contesta um acórdão do TJ-SC, no qual os desembargadores entenderam que não houve discriminação no shopping. Os advogados de Ama alegam, no entanto, que a decisão da Corte catarinense "vai de encontro aos preceitos fundamentais da Carta Constitucional, em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana".
Entenda o caso
A transexual Ama dos Santos Fialho foi impedida de usar o banheiro feminino no Beiramar Shopping em 8 de agosto de 2008. Segundo relato da época, ela já havia utilizado o sanitário destinado às mulheres outras vezes no local. Naquela dia, porém, Ama teria sido seguida por seguranças logo que entrou no shopping.
Quando tentou ir ao banheiro, uma funcionária pediu que ela utilizasse o espaço reservado aos homens. Ama, então, teria pedido para falar com um funcionário hierarquicamente superior, que a teria destratado e pedido para que ela se retirasse do local. Como precisava utilizar o sanitário com urgência, Ama teria defecado nas próprias roupas e, dessa maneira, voltado para casa utilizando transporte público.