O que mais me impressionou nas primeiras conversas que tive com refugiados sírios, quando os encontrei na Grécia, em setembro deste ano, foi o medo brutal que sentiam do Estado Islâmico.
Mesmo estando aparentemente em segurança em outro continente, depois de terem atravessado um oceano fugindo da guerra, mediam as palavras e os gestos como se pressentissem que a qualquer deslize poderiam ser descobertos. Alguns temiam dizer seus nomes completos, outros evitavam fotografias. Todos relutavam em dar detalhes sobre as violações que haviam sofrido ou testemunhado. Traduziam seus temores sempre com a mesma palavra, tão curta e autoexplicativa.
- Daesh! Daesh! - diziam em voz baixa, mencionando a sigla árabe para o Estado Islâmico, ao cruzarem repetidamente as mãos sobre o pescoço, num gesto que remetia à decapitação.
No princípio, as reações me pareciam exageradas. Afinal, a Síria já tinha ficado para trás, com suas explosões e decapitações em praça pública. Agora, quando as digitais do mesmo horror chegam a Paris, percebo que tinham razão. O terror não respeita fronteiras. Pode estar em qualquer lugar. Ainda mais quando o objetivo é difundir o pânico para demonstrar força, intimidar para suscitar obediência.
Relembro daqueles sírios de olhos arregalados pelo pavor persistente neste momento em que crescem as especulações de que pelo menos um dos terroristas responsáveis pelos ataques a Paris teria se infiltrado entre grupos de refugiados para chegar à Europa. O passaporte encontrado próximo a um dos homens suicidas mostra a entrada por Leros, na Grécia, passando por Macedônia e Sérvia. Foi registrado inclusive em Opatovac, o mesmo campo onde estive na Croácia com a família que acompanhava enquanto produzia a reportagem Refugiados - Uma história.
Mesmo que ainda não se possa confirmar que o terrorista seja o verdadeiro dono do documento - já que passaportes sírios se tornaram valiosas moedas de troca, dando origem inclusive a um amplo comércio de papéis falsos, na busca por asilo na Europa -, bastou a difusão da informação para que países já relutantes em acolher refugiados fechassem ainda mais suas fronteiras. Tudo indica que a situação dos migrantes, já alvo de tantos preconceitos, deva se tornar ainda mais árdua daqui para frente.
Ainda que se confirme que um dos terroristas tenha realmente se infiltrado com os refugiados, vale lembrar que o primeiro terrorista identificado tinha nacionalidade francesa, com ascendência argelina. Outros foram presos em Bruxelas. Que passaporte carrega o inimigo? Numa época de terror globalizado, seus súditos também desafiam estereótipos.
Antes de difundir discursos de ódio contra muçulmanos, é preciso lembrar que os refugiados estão fugindo do mesmo horror que agora atinge a Europa. Ao assistirem pela TV às cenas de Paris atacada, sentem a mesma dor que sentimos, como me relataram em mensagens de WhatsApp alguns integrantes do grupo que acompanhei até a Alemanha:
- Somos contra o terrorismo. Nossa religião é de paz e amor. Estamos solidários com a França contra o terror - resumiu o sírio Adham Assad, 28 anos, que deixou Raqqa, a primeira Capital dominada pelo Estado Islâmico na Síria.
- Vi algumas pessoas chorando aqui, porque estão com medo que a mesma coisa aconteça na Alemanha - contou o iraquiano Mohamed Ali, 23, que também divide alojamento com sírios.
- Eles (os terroristas) querem dizer ao mundo que os refugiados são perigosos - avalia o estudante de medicina sírio Issa Jafar, 24 anos, suspeitando que aquele passaporte não tenha sido deixado ao acaso pelo caminho.
Ainda há muito o que esclarecer para que possamos compreender ao que assistimos. As investigações precisam avançar. Mas todo o cuidado é pouco para que, na ânsia de reagir, não culpabilizemos justamente as primeiras vítimas do Estado Islâmico. Negar acolhida aos refugiados que o terrorismo produziu seria apenas uma forma de agravar o espetáculo da perversidade.
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*Zero Hora