Preso pela Operação Lava-Jato desde 3 de agosto em Curitiba, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu tem uma nova fonte de dor de cabeça. É que ele é também investigado pela Fiscalía Especializada Anticorrupción do Peru, o equivalente naquele país à Procuradoria-Geral da República no Brasil. Dirceu é suspeito de intermediar repasses de dinheiro de empreiteiras brasileiras para integrantes do governo Alan García, que presidiu o Peru entre 2006 e 2011. É também apurado se o esquema teria se prolongado até o atual governo, de Ollanta Humala.
Conforme a agenda do ex-presidente Alan García - à qual Zero Hora teve acesso - e também rastreamento de voos, Dirceu realizou cinco viagens ao território peruano entre 2007 e 2011. Em 23 de janeiro de 2007, início do governo de García, o ex-ministro brasileiro foi recebido em palácio pelo então presidente peruano.
Dirceu atuava como lobista das empreiteiras Engevix e OAS, ambas envolvidas no desvio de dinheiro de contratos da Petrobras. O interesse das empresas era conquistar projetos no Peru e, para isso, firmou contrato com o ex-ministro. Ele, por sua vez, fez repasses de dinheiro periódicos por meio da JD Consultoria (empresa pertencente a Dirceu) para uma conhecida sua no Peru, a brasileira Zaida Sisson.
Zaida é mulher de Rodolfo Beltrán Bravo, ministro da Agricultura do Peru no governo Alan García. Ela também é investigada pela Lava-Jato. Zaida recebeu 20 transferências bancárias realizadas pela JD Consultoria (de Dirceu) entre 16 de janeiro de 2009 e 16 de novembro de 2011, que somam R$ 364.398. Conforme declarações de um dos delatores da Lava-Jato, o lobista Milton Pascowitch, Zaida trabalhava para Dirceu na tentativa de obter contratos para a Engevix e para a Galvão Engenharia no Peru. Ela era ligada ao PT e, desde 2001, morava em Lima, onde passou a militar também no Apra (partido de Alan García).
Pascowitch, Dirceu e Zaida fizeram juntos lobby pelas empreiteiras no Peru, conforme um dos 12 depoimentos prestados pelo delator à Lava-Jato. Em janeiro de 2007, Dirceu já tinha sido recebido pelo presidente peruano. Com ele estava José Aldemário Pinheiro Filho, o Leo Pinheiro, dirigente da empreiteira OAS, que acaba de ser condenado a 16 anos de reclusão por corrupção, em sentença dada pela Operação Lava-Jato.
Representando a JD, Zaida retornou outras cinco vezes ao palácio presidencial peruano: em junho e dezembro de 2007, em março, maio e julho de 2008. Algumas vezes foi recebida pelo presidente Alan García, noutras pela secretária pessoal dele, Mirtha Cunza.
Questionado pelo Congresso peruano sobre as visitas, García disse não se recordar das agendas. Mas fotos divulgadas pela imprensa peruana mostram o encontro de Dirceu com o então presidente.
Contrapontos
O que diz Zaida Sisson de Castro
Zero Hora não conseguiu localizá-la no Peru. Em comunicado distribuído em agosto a meios de comunicação peruanos, a empresária brasileira negou qualquer participação em atividades ilícitas a favor de empreiteiras brasileiras. Ela alegou que seu trabalho era identifica oportunidades para companhias brasileiras no Peru, por conhecer bem o mercado local. Ela não negou conhecer Dirceu, mas diz que jamais atuou de forma ilegal. "Não é certo que tenha sido braço ou operadora de Dirceu. Atuei sempre com a devida ética".
O que diz o advogado de José Dirceu, Roberto Podval
"José Dirceu esteve várias vezes no Peru e intermediou, sim, contatos das empresas brasileiras por lá. Foi tudo filmado, a imprensa divulgou. Ele conhece, sim, a Zaida Sisson, ela trabalhou com ele. Qual o problema? Até onde vi, não tem crime algum, foi um serviço normal de abertura de mercado".
"Tudo indica que Dirceu atuou como lobista das empreiteiras"
Deputado e pré-candidato à presidência do Peru por uma coligação de esquerda, Sérgio Tejada presidiu a comissão que investigou todo o governo Alan García (2006-2011). É por isso que agora deve participar também de uma comissão especial montada pelo parlamento peruano para investigar as conexões dos governantes com as empreiteiras investigadas na Lava-Jato. Nesta entrevista a Zero Hora, o parlamentar falou da possível ligação entre os casos.
Como estão as investigações sobre empreiteiras brasileiras no Peru?
A comissão ainda está sendo instalada e sua conformação gerou alguma polêmica (há proposta de que sejam excluídos partidos que integraram o governo Alan García). Já em termos de Fiscalía (Procuradoria de Justiça), começaram as indagações preliminares. A Fiscalía enviou um grupo de procuradores ao Brasil para trazer informações sobre o caso.
Está comprovado que Dirceu atuou como lobista das construtoras Engevix e Queiroz Galvão no Peru? Há provas de que Dirceu e Zaida Sisson têm conexões com o ex-presidente peruano Alan García?
Tudo indica que realmente Dirceu atuou como lobista dessas empreiteiras. Tem saído muita informação nos meios de comunicação peruanos. Pessoalmente, revisei as agendas presidenciais da época do governo Alan García e encontrei reuniões do então presidente no Palácio de Governo, tanto com Dirceu como com Zaida Sisson (os documentos foram repassados a ZH).
Qual é a situação de Alan García agora? É investigado? Já falou no Congresso?
Ainda não é investigado formalmente, já que a comissão especial ainda não se instalou.
Com respeito ao atual governo peruano, há alguma suspeita de ligação com José Dirceu?
Diferentes informações jornalísticas ligam o presidente Humala com José Dirceu.
O senhor integra a comissão que investiga Dirceu e García?
Por enquanto não tenho cargo na comissão, mas presidi a outra comissão que investigou a gestão de Alan García (2006-2011), chamada Megacomissão. Por isso, tenho informação sobre suas agendas.
Obras sob suspeita
Restauração da rodovia Huaura-Sayán-Churín-Ponte Tingo
-Obra da construtora Andrade Gutierrez S.A.
-Contrato do governo Alan García.
-Investimento estimado, em 2012: US$ 146 milhões, mas chegou a US$ 169 milhões, com 18 aditivos.
-Situação atual: ainda não concluída.
Construção da Avenida Néstor Gambetta, em Callao
-Obra das construtoras Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez.
-Contrato do governo Ollanta Humala.
-Investimento estimado em 2014: US$ 250 milhões.
-Situação atual: ainda não concluída.
Melhoria de Estação de Tratamento de água em Huachipa
-Obra da Galvão Engenharia.
-Contrato do governo Alan García.
-Investimento estimado em 2008: US$ 108 milhões, mas chegou a US$ 284 milhões pelos aditivos.
-Situação: foi inaugurada em outubro de 2011.
Restauração da estrada Quilca-Matarani
-Obra da Camargo Corrêa.
-Contrato do governo Ollanta Humala.
-Investimento estimado em 2013: US$ 45 milhões.
-Situação: ainda não concluída. Foram feitos cinco aditivos e o custo pulou para US$ 172 milhões.
Obras complementares na Rodovia Interoceanica Sur
-Obra do Consórcio Intersur (Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e construtora Queiroz Galvão).
-Investimento estimado em 2005: US$ 198 milhões, mas o custo final foi de US$ 667 milhões em 2009, ano em que foi concluída.
Projeto de Irrigação Chavimochic, Etapa III (deserto de Trujillo)
-Obra da Construtora Engevix
-Contrato de um governo regional da província de La Libertad.
-Investimento estimado: US$ 900 mil.
-Situação: obra iniciada em março de 2012 e ainda não concluída.