Edelvânia Wirganovicz entrou na sala da direção da Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba com as mãos para trás. Quis saber se teria de ficar algemada para conceder entrevista a ZH.
- Não - respondeu a agente penitenciária.
Saiu dali, depois de quase duas horas de conversa, de volta à cela privada onde está recolhida há um ano e meio acusada de envolvimento na morte do menino Bernardo Boldrini, em abril de 2014, em Frederico Westphalen. Vestia um casaco de linho roxo fechado até o pescoço (apesar da temperatura acima de 25ºC), calça jeans e sapatilha. De cabelo preso, exibia a raiz branca dos fios e um rosto inchado: ganhou 10 quilos no último mês em função da ansiedade e da depressão. Para combatê-las, amitriptilina e fluoxetina receitadas por uma psiquiatra.
Pede que a família não a visite em razão da distância. Mais de 450 quilômetros separam Frederico Westphalen, cidade onde morava, de Guaíba. Comunica-se pouco com o lado de fora. Troca cartas, às quintas-feiras, com uma das irmãs. A mulher que levou a polícia até a cova onde o menino havia sido enterrado negou que o crime tenha sido planejado.
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Em depoimento à Polícia Civil, Edelvânia havia afirmado que fora procurada pela madrasta da criança, Graciele Ugulini, para ajudar a "dar um sumiço" em Bernardo três meses antes do crime. Na quarta-feira, negou. Havia dito que enfrentava problemas financeiros e que recebera dinheiro da amiga. Também negou. Relatara que uma injeção no braço esquerdo do menino aplicada pela madrasta o matou. Mais uma vez, se contradisse. Em meio às respostas, com olhos arregalados, diversas vezes apertou os lábios contra os dentes e esfregou o dedo polegar contra o indicador. Em nenhum momento, Edelvânia chorou.
Foto: Jefferson Botega / Agência RBS
A senhora está presa na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba desde 30 de abril de 2014 acusada de participar da morte do menino Bernardo. Como é a sua rotina?
Estou no isolamento, em uma cela. Não tenho uma tomada para ligar uma televisão. Estou isolada em um quartinho fechado. Passo a maior parte do tempo ali. Não gosto de ir ao pátio porque é a mesma coisa do que estar na cela. É pequeno também. Leio uns livros, fico deitada. Como e deito. Essa é a minha rotina. Não vou muito no sol.
Pode descrever como é a sua cela aqui na penitenciária?
A minha cela é um quadrado. Tem a cama, a pia, um balcãozinho para colocar alguma coisa em cima, um chuveiro do ladinho, o banheiro. É bem pequeno o ambiente. É um lugar bem difícil de conviver. Todas as presas que vêm pagar castigo, no isolamento, ficam se arrastando, não aguentam ficar 10 dias. Elas reclamam muito. E eu digo que estou assim há um ano e seis meses. Estou debilitada, mas estou aqui.
Sabe por que está em uma cela isolada?
Sim.
Por quê?
Porque, no momento, não posso conviver com outras presas, por causa da situação em que me encontro hoje.
A madrasta do menino Bernardo, Graciele Ugulini, está presa nesta mesma penitenciária. Vocês já se encontraram?
Nos encontramos. Já nos encontramos. Ela estava indo e eu vindo.
Conversaram?
Não.
Qual foi o seu sentimento ao ver a Graciele?
Eu sinto pena dela.
Por quê?
Porque ela vai ter de pagar pelo que fez, né?
Não sente raiva dela?
Em algum momento, já senti. Mas, depois, pensei nela, na família. Quando eu rezo pela minha família, eu rezo pela família dela também. Que Deus dê força.
A senhora reza todos os dias?
Bastante. Eu pego a Bíblia, rezo, agradeço a Deus pela saúde. Levanto de manhã cedo, vou para a janela, tiro o pano e agradeço a Deus por mais um dia, dou bom dia para Deus. Me ajoelho, rezo, peço saúde para toda a minha família, para a minha mãe. Que ela tenha muita saúde que logo estarei lá tomando chimarrão. E com o Evandro (Wirganoviz, irmão de Edelvânia) também.
O que a senhora vê da janela da cela?
Vejo uma parede. E logo após é a creche das mães que têm as crianças. Até tem uma criança que chora muito. Fico muito angustiada. Digo: "Vão ver o que essa criança tem!". Ela chora, chora. É pequena, né? Me deixa mal ver, escutar essas crianças chorarem.
Foto: Jefferson Botega / Agência RBS
Neste presídio há muitas mães. Mulheres que cometem crimes com crianças costumam enfrentar represálias das demais apenadas. A senhora já sofreu alguma violência, física ou verbal, de outra presa?
Sim. Tem umas (presas) que saem das galerias para pagar castigo que me enchem de "coisa". Meu Deus do céu. Eu digo: "Vocês têm razão, podem falar". Tem outras que vêm para a cela do lado e ajudam muito. Uma veio da galeria, tinha me visto, e disse que jamais imaginou que eu iria alcançar um rolo de papel higiênico para ela. Porque ela estava com raiva, né? Daí a gente foi conversando e ela tirou aquilo que ela tinha de mim. Aquela pessoa que todo mundo condena sem conhecer. Sem ter escutado.
Seu advogado pediu à Justiça que a senhora seja julgada sozinha no processo sobre a morte de Bernardo porque, nas palavras dele, "haveria elementos para conseguir a absolvição". Que elementos são esses?
Inicialmente, eu gostaria de pedir perdão à avó do Bernardo e aos meus familiares. Eu errei. Errei muito naquele dia, em não ter ido na delegacia quando o Bernardo passou mal dentro do meu carro e veio a óbito. O Evandro não tem nenhum envolvimento na morte do Bernardo. Quem acusou o Evandro de ter feito a cova, gostaria que me dissesse que dia foi, que horas, a cor da roupa. Eu quero provas de que viram ele fazendo a cova. Porque quem fez a cova fui eu. Só eu que fiz. Estou disposta a ir lá e fazer outra cova, até mais funda do que aquela que eu fiz.
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A senhora falou, agora, que o Bernardo morreu dentro do seu carro depois de tomar comprimidos administrados pela Graciele. No depoimento à Polícia Civil, em 14 de abril, 10 dias depois do homicídio, a senhora falou em uma injeção letal. O que matou, de fato, o Bernardo?
O que matou ele, segundo a Graciele, foram os comprimidos que ela deu para ele tomar.
Mas a senhora falou à polícia que a Graciele fez uma aplicação na veia do menino e, inclusive, citou que saiu um "pouquinho de sangue" e que, a partir daí, ele foi apagando.
Não. Não foi bem isso.
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Foto: Jefferson Botega / Agência RBS
O que aconteceu, então, naquele 4 de abril de 2014?
Estava trabalhando só de manhã. A Graciele disse, na hora do almoço, que iria a Frederico (Westphalen), que tinha uma promoção de televisão e ela iria buscar. Acaba que o Bernardo vem junto com ela. Ela disse que deu medicamento para ele no caminho para ele não ter ânsia de vômito. Eu ia ficar com o Bernardo na praça. Quando ela morou comigo, um tempo atrás, ela tinha um relacionamento com um cara. Ela ia se encontrar com esse cara. Chegando na praça, na hora de descer comigo, o Bernardo disse que não. A Graciele disse: "Desce que a Tia Edi vai ali na praça". Deu uma crise nele. A Graciele já estava nervosa. E ela chegou atrasada em Frederico para o encontro que iria. E eu ficaria na praça com o Bernardo. Mas o Bernardo não quis, surtou, não quis descer do carro. Daí, ela pegou um monte de comprimidos, deu para o Bernardo tomar e disse para darmos mais uma volta para ele se acalmar. Fomos dar mais uma volta para depois descermos na praça e ele passou mal dentro do meu carro. Começou a passar mal e desmaiou. Eu disse para a Graciele que o Bernardo não estava bem. Chacoalhei ele. Disse para levarmos ele no hospital para fazer uma lavagem, porque ela tinha dado muitos remédios para o guri. Ela disse que não. Que não adiantava levar no hospital. Eu disse, então: "Graciele, você acabou de matar o Bernardo. Eu vou ir à polícia". Ela disse: "Não, tu não vai na polícia. Tu vai arranjar um jeito de me ajudar a consumir com o corpo desse menino". Ela me ameaçou, ameaçou a minha família, que eu tinha que ajudar a dar um sumiço no corpo. Fiquei desesperada com tudo aquilo. E ela ameaçando que tinha dinheiro. Acabamos saindo da cidade e chegamos na beira do rio. Eu desci, peguei as ferramentas que estavam dentro do meu carro para levar para a minha mãe, entrei mato adentro e fui achar um lugar que fosse macio para cavar essa cova. A Graciele ficou pra lá e pra cá e não me ajudou. Fui eu quem fez a cova. Somente eu. Eu saí dali. E ela ficou. Eu fui me lavar na sanga. Eu estava mal.
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Por que a senhora mesma não tomou a atitude de procurar um hospital ou a polícia?
Mas eu pedi. Disse pra ela: "Vamos no hospital fazer uma lavagem que ele está intoxicado de remédio". Ela, como enfermeira, disse que não adiantava. Ela examinou ele e disse que não adiantava. Então, ela me disse que não tinha mais o que fazer. Eu disse que iria na polícia porque ela tinha acabado de matar o Bernardo com o monte de comprimido que tinha dado pra ele. Ela disse: "E você vai me ajudar". Ameaçou a minha família de morte, me ameaçou, que tinha dinheiro.
Quais eram os medicamentos?
Midazolam, eu acho, que ela deu para o guri.
No depoimento à polícia a senhora disse que a Graciele a havia procurado dois ou três meses antes do crime já com segundas intenções. Que pediu auxílio e que ela já tinha tudo planejado para, nas suas palavras, "consumir com o guri". Não é o que diz agora. Então, mentiu em depoimento?
Eu trabalhava em uma farmácia que atendia a 26 municípios, era responsável pelos medicamentos. A polícia começou a investigar para cima de mim. Fiquei nervosa, preocupada, e comecei a tomar os remédios que tinha lá. Estava dopada, estava chapada de tanto remédio naquela última semana. Daí, me levaram na delegacia e a delegada (quem colheu o depoimento foi a delegada Cristiane de Moura e Silva) me colocou sentada numa cadeira. E eu já pedi para ela que queria a presença de um advogado. E eles tiraram meu direito da presença de um advogado (no vídeo do depoimento, policiais repetem duas vezes a Edelvânia o direito constitucional de ficar calada e só falar em juízo). Elas me coagiram a falar tudo aquilo. A delegada me disse: "Edelvânia, faz do jeito que nós mandarmos tu fazer que tu não vai pegar cadeia nenhuma". Confiei nelas. E falei. Eu estava mal, estava chapada, estava drogada de remédio. Quando me dei conta, elas estavam montando o processo para me incriminar. Estou presa hoje há mais de um ano por causa da Graciele e da delegada. A delegada me mentiu. Hoje eu sei por que elas fizeram isso comigo.
Foto: Jefferson Botega / Agência RBS
Por que elas fizeram isso com a senhora?
A delegada Caroline (Bamberg) tinha feito um acordo com o médico. Ela ganhou um alto valor em dinheiro para arquivar o processo. A Graciele me contou que deram para a delegada um alto valor em dinheiro, o apartamento, para ela arquivar o inquérito da morte da mãe do Bernardo.
Quando a Graciele lhe contou isso?
Numa ida a Três Passos. No dia da audiência. A Graciele me contou que o Leandro tinha dado um valor alto para a delegada não reabrir o caso.
Tem prova dessa acusação?
Sim, a Graciele me falou. Ela me contou que eles tinham dado um valor alto para a delegada não reabrir o inquérito. E foi o que ela fez. Ela não abriu.
E o valor de R$ 6 mil que disse à polícia que Graciele havia transferido e que a senhora usara para pagar uma parcela do apartamento?
A Graciele não me passou dinheiro nenhum. O dinheiro que eu estava pagando as prestações... primeiro minha mãe fez um empréstimo em nome dela e me deu a primeira parcela do apartamento. A segunda parcela que dei foi do meu trabalho, no final do mês.
O que a Graciele falou sobre o Bernardo?
Falou que era um guri difícil de lidar, revoltado, que tomava muito remédio, remédio controlado.
Em algum momento ela mencionou que queria se livrar dele?
Para mim, não. Ela só disse que ele era um guri muito agitado, que tinha medo que ele chegasse perto da Maria (Maria Valentina, filha de Graciele e Leandro), que machucasse a Maria.
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A senhora se arrepende?
Muito. Deus o livre.
Do que se arrepende?
Eu me arrependo de ter acontecido aquele acidente no meu carro, comigo junto, porque eu jamais faria mal a uma criança. Eu jamais faria mal a uma criança. Jamais. Jamais faria mal a uma criança.
Como a sua prisão, a prisão do Evandro e a repercussão do caso mudaram a rotina da sua família?
Eu destruí a minha família. Eu, hoje, me sinto assim, ó... acabei com a minha vida. Perdi a minha família, estou há mais de um ano presa aqui. Eu botei minha vida fora. Acabei comigo mesma. É muito difícil.
A Justiça de Três Passos decidiu que a senhora, o Evandro, o Leandro e a Graciele vão a júri popular. O que gostaria de dizer às pessoas que irão decidir o seu futuro?
Eu tenho mais coisas pra falar, mas eu só vou falar no dia do júri... por medo.
Que coisas são essas?
Coisas que a Graciele me contou sobre a morte da mãe do Bernardo.
Como imagina seu futuro daqui para a frente?
Não sei... não sei. Hoje estou presa. Eu não sei o que vai acontecer. Não sei.
Quando sair da prisão, qual será a primeira coisa que irá fazer?
Ver minha mãe. Ver a minha mãe.
Contrapontos
O que diz Vanderlei Pompeo de Mattos, advogado de Graciele Ugulini
A defesa afirma que tem como versão única o depoimento de Graciele à Polícia Civil, no qual a madrasta confirma que o menino morreu acidentalmente em razão do excesso de medicamentos administrados por ela. O advogado também diz que desconhece qualquer acusação sobre Graciele ter ameaçado Edelvânia ou sobre o suposto pagamento de dinheiro à delegada Caroline Bamberg para que o inquérito sobre a morte da mãe de Bernardo, Odilaine Uglione, fosse arquivado.
O que diz Ezequiel Vetoretti, advogado de Leandro Boldrini
Informa que desconhece o teor da versão apresentada por Edelvânia e que mantém o princípio de só se manifestar nos autos do processo.
O que diz a delegada Caroline Bamberg, em nome da Polícia Civil
Diz que foram garantidos, em depoimento, os direitos constitucionais, que foi oportunizado um defensor e Edelvânia rejeitou. Nega qualquer hipótese de ter coagido Edelvânia ou que tenha recebido dinheiro de Leandro ou Graciele.
Veja a íntegra do depoimento de Edelvânia à polícia em 14 de abril de 2014: