Fazia tempo que não encontrava Bipo, o guardador, parente distante de Eremildo, o Idiota. O apelido veio na primeira internação. "Transtorno bipolar" foi o diagnóstico. O "guardador" foi um anexo, que surgiu na rua, não no manicômio. É que Bipo cuida dos carros dos "padrinhos" e das "madrinhas", pelas cercanias do Tribunal de Justiça. Estacionei ali e ele veio assuntar:
- Estou de muda para o Alegrete, disse.
Estranhei. Bipo, para vocês entenderem, adora o Guaíba, a biblioteca do IPA e o planetário.
- É só terminar a feira do livro, e me vou.
Tá bem, mas e o Guaíba, Bipo?
- Tá alto, disse.
Aí desloca do bonito para o sinistro. Mas por que o Alegrete?
- O senhor não viu a parada do orgulho louco, drinho?
Bem, o que ele me disse é muito. Segue a síntese.
- Uma cidade que reúne quatro mil pessoas na rua, para celebrar o tratamento em liberdade e homenagear Qorpo-Santo merece respeito, não lhe parece? Sim, teve quem se tapasse de quero-quero ao ouvir 'orgulho louco'. Se compreende. Tem gente que não pergunta. Antes de saber, o sujeito já dispara. Podiam ter perguntado para dois Erasmos. Primeiro, para o de Rotterdam, aquele do "Elogio à loucura. No livro, ele fala como se fosse a loucura e afirma: "Ora, se me excluirdes da sociedade, não só o homem se tornará intolerável, como também, toda vez que olhar para dentro de si, não poderá deixar de experimentar o desgosto de ser o que é". A loucura da psiquiatria esteve sempre ali desde que Cerletti teve a ideia de usar eletrochoque para produzir convulsões, observando porcos sendo abatidos nos matadouros de Roma. Os manicômios são a loucura erguida com tijolos, chaves e verdades. No Brasil, drinho, se fez lobotomia até 1956, em nome da ciência e em violação ao Código de Nuremberg. Quem achar que é passado, lembre de Damião Ximenes, assassinado em um manicômio em caso que resultou na primeira condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
E o segundo Erasmo? Perguntei.
- O prefeito do Alegrete, Erasmo Guterres Silva, que disse: "Mais do que um desfile, a Parada representa a capacidade que as comunidades têm de acolher, superando preconceitos". O cara é médico, drinho, e louco de especial.
E, então, se foi. Pareceu que cantava algo como "Não me pergunte onde fica o Alegrete", "segue teu coração". Algo assim louco.