Pouco mais de uma semana antes de uma reunião de cúpula sobre mudanças climáticas que se anuncia como histórica, o primeiro desafio francês será vencer o estigma do local do encontro das Nações Unidas.
Para ambientalista brasileiro Luiz Gylvan Meira, a COP de Paris já é um sucesso
Le Bourget, sede da chamada COP-21, fica no departamento de Seine Saint-Denis, que se tornou conhecido nos últimos dias pela caçada aos terroristas que realizaram os atentados de Paris. Aliás, quem se hospedar na capital francesa, provavelmente a maioria dos mais de 120 chefes de Estado e de governo que estarão no encontro, passará diariamente pelo Stade de France, onde tudo começou no dia 13, com a explosão de dois homens-bomba.
Como a França pode conjugar o combate ao terror e o multiculturalismo
Trazer de volta à agenda a necessidade urgente de um acordo para limitar o aquecimento global em um país que só fala de terrorismo tem sido o lema de ambientalistas. Até o horror dos atentados, as negociações para o encontro, de 30 de novembro a 12 de dezembro, se encaminhavam para fazer da COP 21 a mais importante da história desses encontros. Os mais otimistas acreditam em um acordo entre os países - o que seria inédito em 20 anos de debates sobre o clima. O objetivo é limitar a no máximo 2ºC a elevação da temperatura do planeta até 2100. O presidente François Hollande empenhou-se pessoalmente em convencer os colegas da necessidade de um acerto. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, confirmou presença. A presidente Dilma Rousseff também vai.
Uma semana após os atentados, França submete novo cenário à crítica
Proibição de marcha no domingo, pelo governo, provocou descontentamento
Tudo caminhava bem até os ataques do 13 de Novembro. A pauta "terrorismo" atropelou o debate. Na quarta-feira, o governo decidiu proibir a tradicional Marcha da COP, prevista para domingo que vem. Cem mil pessoas caminhariam por Paris a partir da Place de la République, local das homenagens aos mortos. O temor real de atentado falou mais alto.
- A marcha é um momento importante porque expõe a opinião da sociedade civil mundial. Leva o calor das ruas para a mesa de negociação - lamenta Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, que embarca na sexta-feira para Paris e participaria da marcha.
Muçulmanos que vivem em Paris demonstram repulsa aos ataques
O medo é de que aglomerações de pessoas atraiam terroristas dispostos a uma nova carnificina. Juliette Rousseau, coordenadora da Coalizão do Clima 21, que reúne 130 associações, ONGs e outros movimentos da sociedade civil, reagiu:
- Lamentamos que nenhuma alternativa tenha sido encontrada para permitir nossas mobilizações. No entanto, estamos mais determinados do que nunca para fazer com que nossas vozes sejam ouvidas nas questões de justiça climática.
Mas como receber com segurança mais de 40 mil participantes em um país que o próprio governo tem dito, repetidas vezes, que está em guerra? Rittl, que atuará como observador, admite que o medo estará na cabeça das pessoas.
- Esse risco existe, mas a questão climática é urgente. Afeta a todos. E parte dos conflitos no Oriente Médio e na África é agravada pelas mudanças no clima. Isso vai levar mais refugiados à Europa - explica.
Seria possível, então, equilibrar as preocupações com o terrorismo e as discussões do clima?
O especialista se filia ao discurso do governo francês e da maioria dos chefes de Estado - tanto que nenhum cancelou sua participação, apesar dos atentados:
- Adiar a COP significaria dizer que os criminosos venceram.
Território internacional ainda em construção
Uma cidade ainda em formação, a área de 18 hectares que vai abrigar a COP21 fica ao lado do Aeroporto de Le Bourget, normalmente utilizado para exposições aeroespaciais, como o famoso Salão Aeronáutico de Paris. Por trás de cercas verdes, erguem-se grandes pavilhões brancos ainda em adaptação para o evento. Zero Hora esteve no local na tarde da quinta-feira. Por enquanto, tratase apenas de um canteiro de obras. Desconfiados com a presença de estranhos, seguranças privados exigiram passaporte e carteira que comprovasse se tratar de um jornalista. E não permitiram o ingresso na área.
- Pedimos desculpas, mas ainda não temos estrutura para receber jornalistas. Estamos em obras - disse o vigilante.
Da entrada, é possível observar máquinas erguendo estrutruras, lonas e contêineres. Dois caminhões e uma van que ingressaram na área precisaram esperar por cerca de 15 minutos autorização para avançar. Equipamentos antibombas foram usados para identificar possíveis artefatos na parte de baixo dos veículos. Um cão treinado para farejar explosivos também revistou as cargas.
Na estrutura estão sendo montados dois plenários - epicentros dos debates entre os chefes de Estado e suas delegações. Haverá 32 salas de negociação - afinal, a maioria dos acordos é acertada a portas fechadas -, um centro de imprensa, com capacidade para 3 mil jornalistas e salas para eventos paralelos.
Gerente de uma empresa de design sustentável com sede na Dinamarca, Lars Jorgensen aproveitou as férias em Paris para conhecer as instalações, onde irá expor, durante a COP, projetos realizados na África. Não conseguiu entrar. Questionado sobre a segurança do local e as ameaças terroristas, ele afirmou:
- Não vi muitos policiais por aqui, nem na entrada principal. Espero que isso mude nos próximos dias.
Antes dos atentados, estavam previstos 1,5 mil policiais apenas para acompanhar deslocamentos de autoridades e garantir a segurança em hotéis das delegações. Dentro do território de Le Bourget, a responsabilidade é da Organização das Nações Unidas.
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*Zero Hora