A lama da barragem de Mariana, que segue o curso pelo Rio Doce, chegou nesta quarta-feira a Colatina, no Espírito Santo, depois de passar pelo município capixaba de Baixo Guandu. A coloração avermelhada, no entanto, ainda não foi vista na região central da cidade, local onde centenas de pescadores aproveitaram para montar uma grande força-tarefa na tentativa de manter vivos robalos, dourados, corvinas e outras espécies de peixes que resistem na água, ainda limpa.
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Batizada pelos próprios pescadores de a Arca de Noé de Colatina, a operação consiste em pescar os peixes, colocá-los em isopores com água e jogá-los dentro de um pequeno açude protegido por barreiras de areia, construído por meios próprios, com ajuda de maquinários, do outro lado do Rio Doce. Mantê-los em cativeiro foi a alternativa encontrada para não perder o sustento de milhares de famílias depois que a lama tomar conta.
ZH atravessou o rio na carona do barco de Roni Oliveira, um dos pescadores responsáveis pela operação realizada na orla de Colatina. Tímido, Roni conseguiu, ao menos, descrever a sensação de aguardar a morte anunciada daquele que o acompanha desde pequeno:
- Dá uma angústia muito grande na gente. Não tem nem o que dizer direito.
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Foto: Anderson Fetter / Agência RBS
Em pé nas barreiras montadas para isolar o cativeiro da água suja que se aproxima, João Correia, o João "Areia", pede ajuda das autoridades aos pescadores e diz que a operação vai continuar até a chegada da lama.
- Tá difícil para pescador viver aqui. Os peixes estão morrendo. O governo, a prefeitura, têm de nos ajudar agora. Vai ficar cada vez mais difícil para nós. Nós fizemos esse poço para botar os peixes para viver. Estamos salvando a vida deles. Vamos continuar trabalhando aqui, salvando os peixinhos, dia e noite, até que a lama chegue - disse.
Diante de mais de uma centena de pescadores, o chefe da Arca de Noé, o fotógrafo - e pescador - Edson Negrelli, explica como surgiu a ideia:
- Foram quatro malucos, incluindo eu, que pensaram nisso. Aí um de nós falou em Arca de Noé. A ideia se espalhou pelos municípios vizinhos, Linhares e Baixo Guandu. Lá também botaram isso em prática. Nunca pensei que essa nossa intenção fosse tomar a proporção que tomou. Graças a Deus estamos conseguindo fazer nossa parte.
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Diante de um rio prestes a morrer, Negrelli diz que a ação já salvou mais de 20 espécies diferentes e mais de seis mil peixes. Emocionado, faz um desabafo:
- É incrível a colaboração de todas as pessoas, até de quem não vive do peixe. É um sentimento que não sei explicar. Não sou pescador, mas já vivi 40 anos dentro desse rio pescando. Sempre foi muita fartura. Imaginar que isso tudo acabou agora é muito difícil.
Colatina preparada para enfrentar o desabastecimento
Situada no Vale do Rio Doce, Colatina está a 135 quilômetros da Capital do Espírito Santo, Vitória, e possui 122,6 mil habitantes, segundo o Censo 2015 do IBGE. Mais de 100 homens do Exército chegaram no domingo ao município para ajudar na distribuição de água à população, que teve o abastecimento interrompido no domingo.
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Estão sendo perfurados seis poços, há caminhões-pipa por toda parte e reservatórios provisórios com capacidade de 20 mil litros em pontos mais altos da cidade. São mais de 50 pontos de distribuição de água. Cada pessoa tem direito a 50 litros pessoa. A procura, porém, ainda é baixa, segundo o Exército.
Gaúcho de Bagé, o capitão Thiago de Albuquerque é um dos militares que organizam o "quartel-general" montado na Sanear, órgão de distribuição da cidade. Hospitais e escolas são os locais prioritários para o recebimento de água potável.
- Desde domingo fizemos um estudo bem detalhado, preparando a população para que não falte nada. O abastecimento de água está suspenso, mas ainda não houve uma procura nos pontos de distribuição. Acreditamos que as pessoas se prepararam bem para enfrentar essa situação - explicou.
O coronel Fabiano Bonno, coordenador da Defesa Civil do Espírito Santo, acrescenta que o atraso da chegada da lama ajudou na preparação.
- A previsão da chegada dessa lama era dia para o dia 9. Para nossa felicidade, essa lama foi atrasando e ganhamos muitos dias para pensar em toda essa logística - afirma.
Foto: Anderson Fetter / Agência RBS
Na escola municipal de ensino fundamental Octávio Manhães de Andrade, em Colatina, até os alunos menores já entendem parte do que o desastre ambiental pode provocar.
- Eles nos perguntam o tempo todo se vão ficar sem água. A gente tem de explicar direitinho que está tudo certo, que ninguém vai ficar sem água. Os maiores entendem melhor, né? Mas estamos lidando muito bem com isso - diz a diretora administrativa, Cátia Simone Kozer, antes de receber dezenas de galões de água mineral do Exército.
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- As escolas não podem ficar sem água. Os hospitais também não. A população não pode ficar desbastecida. É por isso que estamos aqui - completa o capitão gaúcho Thiago de Albuquerque.
Rota da Lama
Zero Hora percorre o rastro de devastação provocado pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco ao longo do curso do Rio Doce. A primeira parada foi na localidade de Bento Rodrigues, no município de Mariana, que registrou mortes, desaparecimentos e foi praticamente extinta. A segunda parada foi em Paracatu de Baixo, também em Mariana (MG), onde a lama destruiu as casas e se acumula em blocos de um a dois metros de altura. Em seguida, nossos repórteres visitaram Rio Doce e Governador Valadares. Em outra frente, no Espírito Santo, a reportagem já passou por Colatina e segue em direção ao litoral capixaba. Veja abaixo todas as matérias que já foram publicadas: