Faltando exatamente um mês para o início da Conferência de Paris, a Convenção do Clima da ONU (UNFCCC) divulgou, na manhã desta sexta-feira, em Berlim, um relatório analisando as contribuições que a maior parte dos países do mundo apresentou para reduzir o problema das mudanças climáticas.
Em linhas gerais, buscou trazer uma mensagem positiva: se o mundo cumprir o que está prometendo vai conseguir evitar um futuro dramático que seja de 4°C a 5°C mais quente. Mas também alertou: só que ainda estamos longe de ficar abaixo dos 2°C - limite considerado seguro pela ciência.
O tom relativamente otimista do relatório faz um certo sentido. É a primeira vez que tantas nações se comprometem a tomar ações para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e, assim, tentar frear o aquecimento global. Até 1º de outubro, 146 países apresentaram as suas chamadas INDCs (conjunto de compromissos de quanto cada um pretende contribuir pelos próximos anos para evitar o problema).
Juntos eles respondem por 86% das emissões de gases de efeito estufa do planeta. Todos os países desenvolvidos e os grandes emergentes, além de a maioria dos demais países em desenvolvimento, fizeram a lição de casa e apresentaram suas metas.
De acordo com a análise feita pela UNFCCC, considerando o agregado das propostas - e que todas elas sejam plenamente cumpridas -, em 2030 o mundo poderá ter deixado de emitir 4 gigatoneladas (Gt) de carbono na comparação com o que emitiria sem as metas. Com essas ações, a média de emissões per capita também cairá 9% até aquele ano.
A análise não mediu o que isso significaria em termos de temperatura, mas, durante coletiva à imprensa, a secretária-executiva da convenção, Christiana Figueres, disse que a estimativa bate com outra feita pela Agência Internacional de Energia (IEA), que chegou a números próximos a esses de 4 Gt e daí extrapolou que o aumento da temperatura pode ficar em cerca de 2,7°C até o final do século.
- É muito boa notícia. Sem as INDCs estaríamos no caminho de 4°C ou 5°C, com elas plenamente cumpridas, ficamos abaixo dos 3°C. É uma boa notícia porque mostra que estamos na direção certa. Mas ficar abaixo de 3°C é diferente de ficar abaixo de 2°C. É um passo notável, mas ainda não é suficiente - alertou Christiana.
No entendimento da convenção, as INDCs deixam as portas abertas para que o mundo ficar no limite dos 2°C.
- É uma mensagem positiva com um porém - afirmou Jochen Flasbarth, ministro do Meio Ambiente da Alemanha, que também participou da coletiva.
- É essencial ver os dois lados da moeda. Isso prova que os países podem fazer a diferença, mas ainda não estamos onde deveríamos estar. E não vamos aceitar algo acima de 2°C.
Christiana defende que isso tem de estar muito claro durante a Conferência do Clima a ser realizada a partir de 30 de novembro em Paris. É lá que os países terão de estabelecer um acordo global, válido para todo o mundo, de redução das emissões. Há dois pontos importantes que precisam ser decididos, segundo ela: como essas INDCs estarão ancoradas no acordo (hoje elas são somente uma intenção) de um modo legal; e o que acontece depois disso.
Ela defende uma revisão periódica, talvez a cada cinco anos, para aumentar os esforços a fim de que as emissões caiam ainda mais ao longo dos anos a fim de manter o aumento da temperatura até 2°C.
- Estou confiante que essas INDCs não são a última palavra sobre o que os países estão prontos para alcançar ao longo do tempo. A jornada para um futuro climático seguro está em andamento e o acordo em Paris pode catalisar essa transição - disse Christina.
Advertência
Uma passada de olho sobre os números destrinchados pela UNFCCC mostra, porém, que, somando todas as metas, ainda estamos em maus lençóis e que esse salto para reduzir as emissões a ponto de evitar um aumento de temperatura maior será um desafio e demandará um esforço bem maior.
De acordo com os cálculos, em relação a valores atuais, as emissões ainda sobem nos próximos anos - apesar de menos do que subiriam se não houvesse as INDCs. Para 2025, as emissões podem atingir 55,2 gigatoneladas de CO2- equivalente e, em 2030, elas seriam de 56,7 Gt. Em 2010, o mundo emitia cerca de 49 Gt.
Isso significa, como o próprio relatório aponta, que estaremos nos aproximando rapidamente do chamado orçamento de carbono. O IPCC (o painel de cientistas do clima da ONU) estima que para a temperatura não subir além dos 2°C o mundo poderia emitir somente 1.000 gigatoneladas de CO2, entre 2011 e 2100. Considerando as INDCs, as emissões globais acumuladas chegarão a 541,7 Gt de CO2 até 2025 e a 748,2 Gt de CO2 em 2030 (num melhor cenário seria 722,8 Gt). Ou seja, nas melhores condições, sobrariam menos de 280 gigatoneladas para serem emitidas até o final do século.
- Para ficar nos 2°C, considerando essa situação, seria necessário zerar as emissões a partir de 2050. Isso deixa menos de 14 gigatoneladas por ano entre 2031 e 2050. É menos de um terço do que o mundo estará emitindo em 2030 - alerta Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, que atuou na revisão do relatório.
- Então temos de olhar para esses números vendo, claro, que houve progresso, há um engajamento dos países, e até pode ser que eles cheguem a 2030 com um cenário melhor do que as promessas que estão na mesa, mas todo mundo tem de fazer mais - diz.