Sobreviventes do terremoto no Haiti em 2010, os imigrantes Kerssaint Adme, 28 anos, e Marcelene Octavius, 27, enfrentavam um obstáculo para começar uma nova vida em solo gaúcho: a falta de documentos impedia que casassem e iniciassem uma nova família.
Após meses de tentativas frustradas, os namorados conseguiram uma autorização da Justiça para formalizar a união mesmo sem toda a papelada exigida em situações normais. Graças à decisão do juiz da comarca de Lajeado Luís Antônio de Abreu Johnson, o casamento civil deverá ser realizado na quarta-feira.
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Religiosos e fiéis a tradições, Adme e Marcelene se viam impossibilitados de viver juntos ou ter filhos sem o respaldo legal. O problema é que eles não têm documentos brasileiros de identificação ou certidão de nascimento, conforme previsto na Consolidação Normativa Notarial e Registral brasileira como exigência para habilitação ao casamento civil. Sem falar português fluentemente, a dupla contava com o apoio de um representante da comunidade haitiana para encontrar um meio de superar essa barreira.
Durante meses, não conseguiram superar a burocracia - até o caso chegar à mesa de Johnson.
- São refugiados humanitários, de grande vulnerabilidade social, que vieram para o Brasil só de bermuda e chinelo de dedos. São pessoas muito religiosas, trabalhadoras, que não conseguiam formar uma família pela falta de documentação. Por isso, com base nos princípios de dignidade humana, da igualdade e da afetividade que rege as relações de Direito de Família, resolvi permitir o casamento - explica o magistrado.
Adme veio para o Brasil em 2013, e Marcelene, no ano seguinte. O casal, que mora e trabalha em Lajeado, tinha apenas papéis da embaixada do seu país atestando que eram cidadãos haitianos. Johnson afirma que considera sua decisão, formalizada na sexta-feira diante dos imigrantes, uma maneira de promover a cidadania:
- Tive grande satisfação pessoal em permitir esse casamento porque, como juiz, trabalho muito com direitos humanos. Se fosse uma decisão fria, burocrática, talvez negasse o pedido. Mas eu estaria condenando esse casal a viver como pessoas de segunda classe, sem poder exercer direitos fundamentais.
Os imigrantes pretendem, ainda, casar no religioso em data a ser marcada. A certidão de casamento, uma vez expedida, também deverá facilitar o acesso dos haitianos a benefícios como programas sociais do governo, crédito, entre outras vantagens. Além de Adme e Marcelene, já há pelo menos outros cinco casais de imigrantes em situação semelhante ingressando com pedidos na Justiça para conseguirem registrar suas uniões.