No caderninho dos sonhos de Vanessa Nery Pandoja está faltando uma página. Ela foi arrancada pela violência que vitimou o marido, o haitiano Fetiere Sterlin, 33 anos _ morto a facadas no último sábado em Navegantes. Os planos dos dois, porém, continuam vivos e agora ganharam um novo propósito: responsabilizar os culpados pelo assassinato brutal.
Nesta sexta-feira, após quase uma semana, Vanessa finalmente conseguiu sepultar o marido em um cemitério particular. A demora tornou mais dolorosa a perda. Cansada e com medo do futuro que a aguarda, ela relembra dos sonhos de Fetiere. Já tinham traçado o plano de se mudar para a Flórida, nos Estados Unidos, em janeiro de 2017. Queriam ficar mais perto da família dele.
- Acho que ele só não tinha ido embora do Brasil porque me conheceu. Não sei como vou tocar minha vida agora, mas quero dar seguimento aos nossos sonhos - afirma.
A esposa conta que o marido passou por dois países antes de chegar ao Brasil. No Haiti, perdeu a avó que o criou e as coisas ficaram difíceis. Decidiu sair pelo mundo em busca de trabalho e melhores condições de vida. Morou no Acre e em São Paulo antes de chegar a Navegantes.
- Ele sempre foi muito batalhador, nunca ficou sem carteira assinada. Chegamos em novembro de 2013 a Navegantes. Eu vim de Belém do Pará e ele de São Paulo, nos conhecemos na empresa - conta.
Foi uma gentileza que os uniu. Quando Vanessa ficou doente, Fetiere saiu para comprar remédios e pediu que um supervisor entregasse a ela. Desde então ficaram juntos. Após o casamento, guardaram dinheiro para buscar a filha de Vanessa no Pará. Em fevereiro desse ano, Fetiere foi empregado como isolador naval em um estaleiro de Navegantes.
Preconceito
Nos fins de semana a diversão da família era se reunir com os amigos, também haitianos, para um churrasco e bate-papo. Porém, nem tudo eram flores. Não iam a cinemas, pois preferiam evitar os olhares intimidadores dos outros moradores. O preconceito rodeava os dois migrantes e era enfrentado com uma única arma: a indiferença.
- Estávamos acostumados a ser xingados. Quando aqueles adolescentes passaram por nós no dia do crime falando "macici, volta pro teu país", não reagimos. O Fetiere só disse "macici são vocês" - explica.
Para a esposa do haitiano, esse foi o motivo do crime e não a versão contada pelo adolescente de 17 anos que confessou o assassinato. O jovem disse em depoimento à polícia que a motivação foi o assédio de Fetiere a sua namorada.
- Não existe essa possibilidade, meu marido estava de costas quando eles passaram, não tinha mulher junto. Eu quero respostas da Justiça. Por que a polícia só vai aceitar o que eles falam? - questiona.
Vanessa diz que não recebeu nenhum tipo de apoio para contratar advogados e acredita que as autoridades estão tentando abafar o caso. De acordo com ela, o crime foi provocado por xenofobia e racismo:
- Ele morreu porque era negro e haitiano. Querem tirar o foco disso para não acharem que Santa Catarina é um Estado racista, mas eu vou lutar por Justiça. A minha filha é negra e eu não vou aceitar essa conclusão. Se fizer isso vou manchar o nome do meu marido.
Ela também pretende levar o caso ao Ministério Público para que os envolvidos não fiquem impunes.
Violência
Haitiano morto em Navegantes sonhava em morar com a família nos Estados Unidos
Fetiere Sterlin foi enterrado nesta sexta-feira
Maikeli Alves
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