Um dos principais empresários da Argentina, Juan José Aranguren foi, nos últimos 12 anos, presidente da Shell no país. Neste período, colecionou batalhas judiciais com o governo da Cristina Kirchner, que, sucessivas vezes, tentou processar a empresa por desabastecimento.
Aranguren deixou a companhia, para a qual trabalhava havia 37 anos, para se dedicar ao plano de governo de Mauricio Macri (coalizão Cambiemos), o principal opositor do candidato governista Daniel Scioli. Aranguren é apontado pela imprensa argentina como provável ministro de Energia, pasta que não existe na atual administração. Na manhã desta quinta-feira, ele recebeu ZH na sala The Library, do elegante Hotel Faena, em Puerto Madero, Buenos Aires, para a seguinte entrevista:
Que avaliação o senhor faz destes 12 anos de kirchnerismo?
As três administrações Kirchner podem ser divididas em duas partes, uma na qual se manteve certo equilíbrio macroeconômico, até final de 2005. A partir deste momento, provavelmente buscando a eleição para sua esposa e para se manter no poder, começaram a mudar o rumo e deixaram de aproveitar as oportunidades que o mundo oferecia à Argentina. Por exemplo, com pouco apego à Constituição, mantendo uma lei de emergência pública por 12 anos como forma de administrar sem necessidade de recorrer ao Congresso, com pouco apego às instituições. Consequentemente, a Argentina perdeu todas as suas reservas - monetárias, energéticas, agrícolas. Chegamos à situação atual, em que o país tem escassez de energia, por exemplo, e precisa recorrer ao exterior para poder resolver seus problemas econômicos.
O senhor se considera um perseguido pelo governo dos Kirchner?
Não sinto como perseguição. Não tomei como agressão. Mas, obviamente, o governo tomou decisões na maioria das vezes ilegítimas e inconstitucionais para processar a Shell por desabastecimento, em alguns casos pedindo pena de prisão.
Prisão contra o senhor
Sim, contra mim. Em 2006, recebemos 23 multas de US$ 250 mil cada uma. Em 2007, foram 60 multas. Dessas 60, 57 pediam a minha prisão, aplicando uma lei que não estava vigente, a Lei de Desabastecimento. Mas a Justiça, em todos os casos, decidiu tanto a favor da companhia quanto em meu favor. Em diferentes instâncias.
Aconteceu com outros empresários?
No setor energético, não, mas existe uma particularidade. Quando assumi como presidente, em 2003, na Argentina havia quarto empresas petroleiras de renome: Repsol-YPF, Shell, Exxon e Petrobras. Em 2009, a Petrobras vendeu uma refinaria e 360 contratos de prestação de serviço a um empresário local. A Exxon, em 2012, decidiu vender seus negócios na Argentina. A Repsol-YPF, sabemos o que aconteceu: o governo expropriou 51% das ações da Repsol. A Shell completou, em 2014, cem anos no país, com os mesmos acionistas. Seguia sendo o segundo participante do mercado. Ou seja, aquela companhia que tratou de defender seus direitos frente à administração é justamente a que permaneceu, enquanto as outras três decidiram ir embora ou escolheram o caminho mais fácil.
No caso de um governo de oposição, a YPF voltaria a ser privatizada totalmente?
Creio que não é necessário. O que se fez foi ilegal, com uso da polícia. Depois, a situação foi se acomodando. Foi aprovada no Congresso uma lei, permitindo que se possa expropriar uma empresa, declarando-a de interesse público. O governo terminou acertando com a Repsol um preço que acreditava justo pelos 51% das ações. Hoje, é uma empresa de economia mista, sociedade anônima, não apenas do Estado. Obviamente, como acionista da YPF, é necessário avaliar adequadamente a estratégia da companhia, qual é o melhor destino para os investimentos que a companhia quer fazer.
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Fala-se que, em um eventual governo Macri, o senhor poderia ser presidente da YPF. O senhor planeja isso?
Coordeno as equipes de energia do Cambiemos. Não creio nisso, quero estar mais vinculado ao setor energético, colaborar para montar uma equipe para conduzir a área de energia.
Um ministério, por exemplo?
Hoje, não há ministério. Há apenas uma secretaria. A oposição pensa em elevar a status de ministério, como há no Brasil, no Chile, no Peru e na Colômbia.
Sobre a polêmica das estatísticas, que o governo estaria ocultando ou maquiando. Como um empresário planeja investimentos com essa situação?
Esse é o problema que temos no setor energético. Estamos avaliando as políticas públicas futuras a partir de informação que nem sempre é a oficial. Que obtemos do mercado, de empresas. Essa é a política desse governo: modificar, manipular as políticas públicas. O consumo de energia na Argentina aumentou 7,8% em relação ao ano passado, em um país que não cresce. Tem a ver com desperdício de energia que fazemos, porque, como não sabemos o real preço, consumimos sem nos preocuparmos com o valor real que custa gerá-la. Por outro lado, desconfiamos de qualquer estatística pública, desde que se interviu no Indec [órgão oficial de estatísticas, semelhante ao IBGE) e se retirou os profissionais que trabalhavam lá. Planejar... Esse é um dos grandes problemas. A Argentina não planeja. A única política argentina diz respeito a administrar o presente, olhando para o passado.
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O senhor acompanha a crise na Petrobras, acredita que possa haver um escândalo semelhante envolvendo agentes públicos na Argentina?
Acompanho como interessado no assunto. Quando se tem 12 anos de governo sob a mesma administração, fica a dúvida. E eu tenho dúvidas. Se Cambiemos tiver a oportunidade de ser governo, vamos investigar, auditar a atuação em certos setores da energia. Se ocorreu corrupção, vamos levar à Justiça. Parte do gasto fiscal que há na Argentina é consequência de corrupção.
*Zero Hora