Pressionados pela urgência, os ministros do Interior da UE adotaram nesta terça-feira "por ampla maioria" a divisão de 120.000 refugiados, apesar da oposição dos países do Leste a este mecanismo que instaura quotas por país diante de uma crise migratória sem precedentes.
"A decisão sobre a realocação de 120.000 pessoas foi adotada por uma ampla maioria dos Estados-membros", indicou no Twitter após uma reunião que durou três horas a presidência luxemburguesa do bloco.
A Comissão Europeia, que fez esta proposta que dividiu os europeus, elogiou "uma decisão importante".
Já o ministro tcheco do Interior, Milan Chovanec, afirmou no Twitter que seu país, assim como Hungria, Eslováquia e Romênia, votaram contra, enquanto a Finlândia se absteve.
"Muito em breve vamos descobrir que o rei está nu. O bom senso perdeu hoje", lamentou Chovanec.
Por sua vez, o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, declarou que não aceitaria "ordens" da UE e que preferia transgredir as regras europeias do que adotar as quotas obrigatórias.
Vários países, liderados pela França, teriam preferido não realizar a votação, privilegiando a unanimidade. Mas, mesmo após convencer a Polônia de passar para seu lado, seus esforços foram em vão ante as demais nações contrárias às quotas.
"Alguns vão dizer que a Europa está dividida porque não chegamos a esta decisão por consenso, mas estamos em uma situação de emergência", considerou o ministro de Luxemburgo da Imigração, Jean Asselborn.
"Precisávamos adotar este texto jurídico, sem isso a Europa estaria ainda mais dividida", ressaltou.
Uma fonte diplomática confirmou que os ministros votaram por maioria qualificada e decidiram pela divisão de 66.000 refugiados que chegaram à Itália e à Grécia um mês antes da entrada em vigor deste mecanismo e de 54.000 no próximo ano que também chegaram a estes dois países.
Divisão 'voluntária'
As negociações não foram fáceis e o texto final não inclui qualquer menção a uma "divisão obrigatória" dos refugiados, como defendido pela Comissão Europeia.
"Os números adotados pelos Estados membros o foram sobre uma base voluntária", garantiu Asselborn.
Mas, juridicamente, embora tenha sido adotada por maioria qualificada, é imposta a todos os membros da UE por igual, inclusive aos que votaram contra.
"Todo texto aprovado pelo Conselho é, inevitavelmente, obrigatório", ressaltou a fonte europeia, explicando que o debate semântico se concentrou principalmente no medo de alguns Estados de estabelecer um precedente e abrir o caminho para, no futuro, a adoção de um mecanismo de alocação permanente, sem limite de número de refugiados envolvidos.
Em resposta aos pedidos de vários países europeus preocupados com as implicações orçamentárias do acolhimento dos migrantes, Bruxelas também poderia considerar a crise como uma "circunstância excepcional", abrindo caminho para derrapagens nas metas de déficits públicos, segundo o Comissário dos Assuntos Econômicos, Pierre Moscovici.
A UE também parece determinada a criar um apoio financeiro mais substancial aos países vizinhos da Síria (Turquia, Jordânia, Líbano) que hospedam quase quatro milhões de refugiados.
Um total de um milhão de pedidos de asilo pode ser apresentado em 2015 nos países da União Europeia, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em um relatório anual sobre migração, que estima em "350.000 a 450.000" o número de pessoas que receberão proteção, um quarto delas crianças, de acordo com o Unicef.
Atualmente, enquanto os 28 Estados da UE são chamados a distribuir 120.000 pessoas, os migrantes que alcançaram a Europa desde janeiro já somam um número quatro vezes maior, de acordo com o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR).
A reunião ministerial de Bruxelas será seguida na quarta-feira por uma cúpula extraordinária de chefes de Estado ou de Governo, com foco particular na assistência aos países terceiros para conter o fluxo de requerentes de asilo.
"A Europa experimentou outras crises. Mas desta vez, de certa forma, é o seu propósito de ser e seu funcionamento que estão em questão", declarou nesta terça-feira o chefe da diplomacia francesa, Laurent Fabius, em entrevista a vários jornais europeus.
Crise que vai 'durar'
Nesta terça, a empresa ferroviária alemã Deutsche Bahn anunciou a suspensão de sua linha Munique-Salzburgo-Viena-Budapeste até 4 de outubro por causa de pertubações no tráfego causadas pelos controles nas fronteiras introduzidos pelas autoridades alemãs para regular o fluxo de refugiados.
Surda às críticas de seus parceiros e ONGs, a Hungria, que viu 225.000 migrantes transitarem em seu território desde o início do ano, continua construindo uma cerca na fronteira com a Croácia.
No posto fronteiriço croata-húngaro de Beremend, pilares foram implantados a cada três metros à espera da instalação de uma cerca de arame farpado.
Por sua vez, o Reino Unido, que não participa do plano de "realocação", recebeu nesta terça-feira seus primeiros refugiados sírios vindos de campos perto da fronteira no contexto do projeto anunciado no começo do mês pelo premiê David Cameron de acolher um total de vinte mil pessoas até 2020, anunciou o ministério britânico do Interior.
Sufocada pela chegada de mais de 35.000 refugiados em seis dias, a Croácia fechou a sua fronteira com a Sérvia. Seu primeiro-ministro, Zoran Milanovic, exortou Belgrado a retomar a rota de migrantes para a Hungria e também orientá-los à Romênia, a fim de aliviar o seu país.
"No curto prazo, as perspectivas de que a situação se estabilize significativamente nos principais países de origem são pequenas", advertiu a OCDE, antes de assegurar que "a Europa tem os meios e experiência para atender a esta crise".
A Anistia Internacional comemorou a decisão, considerando "que ao menos a paralisia completa foi evitada".
* AFP