Oscar Arias cresceu em um país sem soldados. Em 1948, quando tinha oito anos, a Costa Rica dissolveu suas forças militares e a simbologia do pacifismo se incorporou à identidade nacional: em vez de gastar em armas, investe em saúde e educação.
Como presidente (1986-1990 e 2006-2010), Arias se transformou no maior porta-voz dessa credencial histórica. Herdeiro de uma família tradicional na política costa-riquenha, elaborou um plano que comprometeu, em agosto de 1987, Costa Rica, El Salvador, Nicarágua, Guatemala e Honduras com a democracia e o respeito aos direitos humanos. Esvaziou, assim, o discurso das grandes potências, que faziam da região um dos últimos focos de tensão da guerra fria. Pela mediação nos conflitos armados na América Central, recebeu o Nobel da Paz, em 1987.
Desde então, passou a se dedicar à defesa da redução dos gastos militares no mundo e redigiu, nos anos 1990, o primeiro rascunho do tratado sobre o comércio de armas da Organização das Nações Unidas (ONU), que entrou em vigor no fim do ano passado. Em 2006, o líder social-democrata marcou seu segundo governo por reformas desestatizantes e por um tratado de livre comércio com os EUA.
Em entrevista a ZH, Arias criticou o aumento dos gastos do Brasil com armamentos e o silêncio do governo brasileiro diante da deterioração política da Venezuela.
Neste trecho, Arias fala sobre as estratégias para implementar o plano de paz na Costa Rica e como aplicá-lo a conflitos atuais.
Como a Costa Rica construiu as bases para o acordo de paz em 1987?
Quando meu partido me escolheu como candidato para a presidência nas eleições de fevereiro de 1986, o principal tema da minha campanha foi buscar uma saída diplomática ao conflito armado que vivia a região centro-americana. Existia uma iniciativa de paz latino-americana, de Contadora, uma ilha no Panamá onde vários governos elaboraram essa iniciativa. Impulsionaram-na até que fracassou porque não conseguiram chegar a um acordo. Depois de visitar o presidente Ronald Reagan (governou os EUA entre 1980 e 1989), em dezembro de 1986, me dei conta de que a obsessão dele era tirar a tiros o governo sandinista de Manágua (Nicarágua). Havia sido criada uma força militar de oposição aos sandinistas (chamada os Contras). Em algum momento, Reagan disse que era um "contra" também. Ele estava obcecado por uma vitória militar na Nicarágua. Quando me dei conta, disse: "Tenho de introduzir um plano de paz", porque minha preocupação era de que a Costa Rica também se visse envolvida. Costa Rica é um país indefeso e os Contras estavam utilizando parte do território costa-riquenho.
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Como conseguiu costurá-lo?
Quando cheguei ao governo, terminei com a facilitação do território costa-riquenho pelos Contras e expulsei os líderes do grupo. No entanto, não havia nada sobre a mesa para negociar uma saída diplomática. Preparei, em janeiro de 1987, um plano de paz. Me dediquei a pedir apoio internacional, na América Latina, na Europa, em todos os países. E todo mundo estava a favor do plano de paz, exceto Mikhail Gorbachev (último líder da então União Soviética, entre 1985 e 1991), Reagan e Fidel Castro (líder cubano). A imprensa de quase todo o mundo também estava a favor, exceto o Wall Street Journal e outros jornais dos EUA.
O que o senhor fez para contornar isso?
Viajei por diferentes países para apresentar o plano. Governos como o de Brian Mulroney (primeiro-ministro do Canadá de 1984 a 1993), conservador, amigo de Reagan, me apoiaram. Margaret Thatcher (primeira-ministra britânica entre 1979 e 1990), conservadora, amiga de Reagan, me apoiou. Fomos isolando Washington e Moscou, que ficaram sós buscando uma saída militar ao conflito.
Havia muita pressão?
A pressão que Washington exerceu sobre meus colegas centro-americanos foi grande, sobretudo sobre o presidente Napoleón Duarte, em El Salvador, e o presidente Azcona (José Azcona del Hoyo), de Honduras. Chegamos à Cidade da Guatemala, local da reunião, e eu disse: "Temos em nossas mãos o futuro de 40 milhões de centro-americanos, os quais não podemos decepcionar". Sem acordo, era a continuação da guerra.
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Qual foi sua estratégia?
Nos fechamos num quarto, tranquei a porta e disse: "Daqui não saímos até que cheguemos a um acordo". Foi uma surpresa porque todo mundo pensava que seria quase impossível que chegássemos a um entendimento. As diferenças eram muito grandes. Napoleón Duarte cobrava que Daniel Ortega (presidente da Nicarágua) estava apoiando a guerrilha em El Salvador, e Ortega cobrava que El Salvador estava apoiando os Contras, mas chegamos a um acordo. Tínhamos uma obrigação com nossos jovens que estavam brigando em vez de estarem no colégio ou na universidade.
Quais foram as consequências dos conflitos?
Nasceu uma geração perdida, que está na origem das maras (las maras, gangues juvenis). Explica a violência que temos na Guatemala, em El Salvador e em Honduras. É a consequência de uma geração, de ambos os lados, que andava com uma metralhadora no ombro em vez de estudar. Isso é o que explica a imigração ilegal aos EUA de toda essa juventude.
Que lições se poderia resgatar desse processo de paz para aplicar em conflitos atuais?
No mundo, são poucos os casos de conflitos que se resolvem em mesa de negociação. Irlanda do Norte conseguiu. Jimmy Carter (presidente dos EUA de 1977 a 1981) conseguiu em Camp David a paz entre Egito e Israel. Mas, veja o caso de Israel e Palestina hoje em dia. Todas as tentativas fracassaram. A história da humanidade é uma história de guerras, não de paz. Os momentos de paz são instantes pequenos, curtos. O desafio mais importante agora é introduzir novos valores. Temos de entender que alguém não pode tentar resolver os conflitos utilizando a força militar. É preciso dar oportunidade à negociação, à mesa diplomática.
O que explica as diferenças sociais entre Costa Rica e seus vizinhos?
O fato de não precisarmos gastar em armas e podermos dedicar mais recursos para educação e saúde. Mas a Costa Rica ainda sofre de um mal generalizado na América Latina que é o Estado muito fraco. E é muito fraco porque a carga tributária é muito baixa. Esse não é o caso do Brasil. Vocês pagam bastante imposto. Mas, no restante da América Latina, a média de carga tributária sobre o PIB é ao redor de 19%, 20%, 21%, que é muito baixo (no Brasil, foi de 35,42% em 2014, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação). Na América Latina, está tudo por fazer. A competitividade dos países daqui é uma das mais baixas porque não temos uma boa infraestrutura, estradas, aeroportos, portos, porque a qualidade da educação é ruim.
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O senhor pensa em concorrer de novo?
Há pessoas no seu partido que querem. Sim, mas não tenho ânimo. Fui, no meu primeiro governo, motivado a pacificar a América Central. Isso me motivava. No meu segundo governo, fui terminar com os monopólios públicos, obsoletos, como os seguros. Só o Estado podia vender seguros, só o Estado podia vender celulares. É um absurdo. E também fui lutar para inserir a pequena economia costa-riquenha na economia mundial. Fizemos o tratado de livre comércio com os Estados Unidos, com a União Europeia, com a China e com muitos outros países porque, sendo um país pequeno, com 4,5 milhões de habitantes, não somos como o Brasil com 200 milhões de pessoas. Estamos condenados a sermos fenícios, comerciantes. É o comércio a principal força de crescimento econômico para um país pequeno da América Central. Agora, pela terceira vez, não há um desafio que me entusiasme a regressar à política aos 75 anos de idade (a eleição na Costa Rica será em 2018).
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