Com as contas no vermelho, o Planalto estuda apoiar projeto de lei que libera jogos de azar no país, medida que poderia gerar arrecadação de R$ 20 bilhões ao ano. Como comparação, é mais da metade do que o governo planeja obter com a volta da CPMF. A discussão avança no Congresso, mas especialistas apontam dificuldade de um controle da atividade, bastante associada à lavagem de dinheiro.
De autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), a proposta permitiria a volta de bingos, cassinos, jogos pela internet, jogo do bicho e caça-níqueis. Entre 60% e 70% do arrecadado iria para a premiação, 7% para Estados, 3% para municípios.
O restante, para a empresa autorizada a explorar a atividade. A tendência é de que o texto seja alterado, reservando parte da tributação para a União.
- A realidade está dada. Mesmo com a proibição, os jogos de azar continuam acontecendo. Ou fingimos que não existe ou encaramos a situação e passamos a regular e arrecadar tributos. Grande parte das pessoas critica sem ter informação, com base em convicções religiosas ou preconceito. Deveríamos ser mais pragmáticos - afirma Magno José Santos de Sousa, presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL), que fomenta a legalização e a criação de um marco regulatório para as operações nesse segmento.
Governo federal quer legalizar jogos de azar no Brasil
Os jogos de azar são legalizados na maior parte do mundo. O Brasil está entre as exceções. Além de Cuba, é o único país não islâmico entre os 156 listados na Organização Mundial de Turismo que ainda não colocou todas as fichas em um negócio que, pelo menos à primeira vista, é uma mina de ouro. Nos Estados Unidos, maior mercado de apostas do mundo, o valor movimentado com jogos em 2014 chegou a US$ 142,6 bilhões, segundo dados da revista The Economist.
- É uma forma lúdica e indolor de cobrar imposto, paga quem busca o entretenimento. Diferentemente de quem aposta na loteria, ninguém joga pensando em mudar o padrão de vida.
É diversão. É muito mais lógico do que querer a volta da CPMF - afirma Bruno Piovesan, diretor financeiro do Jockey Club do RS.
Especialista em lavagem de dinheiro, o economista Mauro Salvo alerta para a dificuldade de controle de atividades em que as transações ocorrem, em sua maioria, em espécie:
- É o tipo de operação muito atomizada (grande quantidade de pessoas investindo pequenas quantias) e que levanta muito recursos. Fica relativamente fácil forjar prêmios e complicado para os órgãos realizar a fiscalização.
Mauro Salvo, que atua no Banco Central, lembra que a regulamentação dos bingos, feita em 1999 pelo Ministério da Fazenda, era bastante extensa, mas não foi suficiente para evitar desvios.
O delegado Cleber Ferreira, que integrou força-tarefa de combate à jogatina ilegal, seria a favor da liberação se houvesse um controle rigoroso, o que não acredita que ocorra.
- É o tipo de serviço que historicamente encobre vários outros tipos de contravenção. Tornar legal não facilita o combate à infração - avalia.
Não se sabe com precisão o número de jogadores compulsivos no Brasil. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre as pessoas que apostam, cerca de 3% enfrentam problemas por causa de jogo, como dívidas ou desentendimentos familiares, e 2% seriam efetivamente doentes.
Prós
Aumento na arrecadação
Mesmo proibido, uma pequena parte da população participa de jogos de azar. Ao tornar legal a atividade, o governo passaria a arrecadar impostos sobre serviços que hoje não são tributados. A estimativa de entidades que apoiam a legalização é de arrecadação de R$ 20 bilhões por ano.
Taxação indolor
Ao tributar uma atividade vinculada ao entretenimento, o governo aumenta a arrecadação sem penalizar toda a população, como ocorre quando eleva tributos. Pagariam apenas aqueles que utilizam os serviços.
Mais empregos
Trazendo para legalidade a atividade, o governo permitiria a formalização de diversos empregos hoje considerados fora da lei. Pessoas que trabalham com jogos de azar passariam a ter seus direitos garantidos e contribuiriam para a Previdência.
Contra
Lavagem de dinheiro
Por realizar a grande maioria das transações em espécie, os jogos de azar facilitam truques de contabilidade e são uma janela bastante comum para tornar legal um dinheiro obtido de forma ilegal.
Dificuldade de fiscalização
Apesar dos avanços em tecnologia de fiscalização, o governo teria dificuldades em fazer um controle da atividade. Como os donos tendem a ser, na maioria, laranjas, ficaria difícil até mesmo executar bens para cobrir possíveis perdas.
Vício em jogo
Assim como álcool ou cocaína, jogo pode causar dependência. A inclusão oficial do vício em jogatina no rol das patologias foi em 1992, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) colocou o jogo compulsivo no Código Internacional de Doenças. Há dúvidas se a liberação do jogo estimula o vício ou não.
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Promessa de apostar na saúde
Para facilitar a aprovação da legalização dos jogos de azar no Congresso, parlamentares defendem o uso do dinheiro arrecadado na saúde e em programas sociais. O destino visa conquistar o apoio do Palácio do Planalto, que precisa fechar o rombo das contas públicas. O governo não definiu se apoia a legalização, pois existe o receio de que a medida facilite crimes como lavagem de dinheiro. Os ministros Joaquim Levy (Fazenda), José Eduardo Cardozo (Justiça) e Aloizio Mercadante (Casa Civil) estudam a proposta.
- Os jogos devem ser regulamentados, mas é um assunto a ser amadurecido - afirma Delcídio Amaral (PT-MS), líder do governo no Senado.
A discussão reapareceu em reunião com a presidente Dilma Rousseff, quando o senador Benedito de Lira (PP-AL) sugeriu encampar um projeto sobre jogos do colega Ciro Nogueira (PP-PI).
- Las Vegas era um pedaço de deserto e virou destino turístico - justifica Lira.
Investigados na Operação Lava-Jato, Lira e Nogueira são de Estados (Alagoas e Piauí) que se beneficiariam com cassinos em resorts. Os dois senadores foram procurados por empresários e contam com assessoria jurídica do escritório do ex-deputado Régis de Oliveira.
Lira aponta que os jogos possam render R$ 20 bilhões ao ano em impostos. Sua colega de partido, a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) apoia a liberação, mas com alta tributação. Líder da bancada gaúcha, o deputado Giovani Cherini (PDT) concorda com a vinculação da receita:
- Se colocar na saúde, tem chance de aprovar.
Um dos entraves é a bancada da fé. Presidente da Câmara, o evangélico Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é contrário ao tema, assim como o gaúcho Lasier Martins (PDT-RS):
- Liberar o jogo é o que falta para fechar a gandaia completa. O país sai da crise com educação, não com jogo de azar.
O que diz a proposta
De autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), o projeto legaliza a exploração de jogos de azar: bingos, cassinos em resorts e online, jogo do bicho, caça-níqueis e apostas esportivas online.
Os jogos de azar seriam explorados por meio de autorização de Estados e do Distrito Federal, responsáveis por regular, normatizar e fiscalizar os jogos.
Da arrecadação, entre 60% e 70% seriam destinados para premiação, incluindo os descontos de tributos, 7% para Estados e 3% para municípios. O restante ficaria com a empresa que explora o jogo.
Cassinos em resorts teriam jogos de cartas, como o black jack, terminais de videoloteria, roleta e outras modalidades. As autorizações teriam prazo de 20 anos.
Estados, com aval da União, definiriam os locais para a instalação de cassinos. As cidades escolhidas precisariam ter "patrimônio turístico a ser valorizado" e "carência de alternativas para o desenvolvimento econômico social".
Fatia da união
O governo ainda não definiu se apoia a legalização. A área econômica analisa o projeto e estuda modificações, como reservar para União uma fatia da tributação.
Tramitação
Caso decida apoiar a legalização, o governo trabalha com três caminhos para aprovar a proposta no Congresso.
1) Apostar no projeto que está no Senado: é o caminho mais demorado. Com as alterações do Planalto, seria apresentada uma nova versão para o projeto. Após aprovação em comissões, seguiria para Câmara.
2) Editar uma medida provisória: seria a forma mais rápida. Para tornar a legalização permanente, Câmara e Senado teriam de aprovar a MP em até 120 dias.
3) Enviar um projeto em regime de urgência: o governo redige sua própria versão da lei e envia para Câmara em regime de urgência. Para evitar o trancamento da pauta, Câmara e Senado teriam 45 dias cada para votar.