Enquanto um assassinato em plena rua e à luz do dia chocou parte dos moradores do bairro Bom Fim, na área central de Porto Alegre, outra execução com características semelhantes, horas antes, foi encarada com certa naturalidade por moradores do Rubem Berta, na zona norte da Capital.
Insegurança marca o início de 2015 em parques de Porto Alegre
Apesar de os dois crimes guardarem semelhanças - ataque surpresa durante o dia com vários disparos -, os locais apresentam diferenças marcantes quanto à dinâmica da criminalidade. No Bom Fim, a execução aparece como ponto fora da curva na região que tem sido alvo constante de assaltos. No Rubem Berta, onde os roubos são pouco comuns conforme comerciantes locais, a guerra do tráfico de drogas fez dos homicídios uma rotina - são 54 assassinatos desde o início do ano de acordo com levantamento do jornal Diário Gaúcho.
Violência assusta e desafia Porto Alegre
Zero Hora circulou pelos locais das duas ocorrências e conversou com moradores para mostrar as comunidades distintas em contextos de violência, mas que vivem com a mesma sensação: insegurança.
Execuções do tráfico
Dois bazares, uma mercearia, uma fruteira e um mercado, além de três escolas nas proximidades. Moradias humildes completam os contornos da Rua Dr. Meer Mario Kaufmann, no bairro Rubem Berta, próximo do Porto Seco, um conhecido local de lazer de Porto Alegre, mas que registra movimentação apenas uma vez por ano, no Carnaval. Na terça-feira, a zona residencial afastada do Centro foi quebrada por estampidos de armas de fogo em plena via.
Primeiro um barulho muito alto e isolado (provavelmente um tiro de calibre 12), depois, uma sequência de disparos. Passava das 11h30min quando Gabriel Barbosa dos Santos, 15 anos, foi assassinado na frente de um bazar. O titular da 3ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (3ª DHPP), delegado João Paulo de Abreu, que investiga o caso, segue a orientação do comando de greve da Polícia Civil: não dá detalhes nem informa se a vítima tinha ou não antecedentes. O titular da 22ª Delegacia de Polícia, Omar Abud, também não dá declarações. Moradores e comerciantes tampouco apontam motivação para o homicídio de Gabriel, mas confirmam que execuções semelhantes há tempo se tornaram comuns na região.
- Assalto aqui é raridade - afirma o dono do bazar na calçada em que Gabriel foi alvejado.
Embora a motivação do assassinato do adolescente não esteja esclarecida, uma pichação na parede - ainda com as marcas de tiro - sugere o pano de fundo da maioria dos 54 homicídios no bairro desde o início do ano: "legalize", sobre riscos em cima de uma folha de maconha. Os efeitos colaterais da guerra do tráfico são as principais razões de medo e insegurança no Rubem Berta - pelo menos três bocas de fumo funcionam só nas proximidades da Mario Kaufmann, conforme moradores.
- Quatro, cinco quadras daqui mataram outro esses dias. Comentei com a minha mulher: aqui é porque é vila, mas e no Bom Fim, de dia? É porque não tem mais lugar (seguro) hoje em dia - analisa outro comerciante.
Assaltos na rotina
Movimento intenso de veículos e pedestres, diferentes estabelecimentos entre botecos, bares, fruteiras, cafeterias, bancas e lojas, além de ser uma das zonas residenciais mais tradicionais da cidade, próxima da Redenção, um dos mais frequentados parques de Porto Alegre. A aglomeração de pessoas que circula na Rua João Telles, no bairro Bom Fim, parou na tarde de terça-feira para observar, perplexa, um assassinato por volta das 17h30min, em plena via.
Executado na João Telles participou de assalto com reféns ao Bradesco da Azenha em 2012
Gilson Silva dos Santos, 33 anos, foi morto com pelo menos oito tiros. Apesar de incomum, ao menos um detalhe do homicídio traz relação com outro tipo de crime que assola comerciantes da região: os assaltos. Santos era conhecido por atacar estabelecimentos da área e chegou a ser condenado pelo roubo a uma cafeteria. Em julho do ano passado, foragido do regime semiaberto, foi reconhecido em ruas do Bom Fim como assaltante de pelo menos cinco estabelecimentos do bairro.
- É ele mesmo! Nos assaltou aqui duas vezes ano passado. Chegou me dar um frio na espinha quando ouvi o nome - exclamou a atendente de uma loja ao saber quem era o homem morto um dia antes.
Moradores do Menino Deus protestam contra insegurança no bairro
A dona de uma cafeteria em frente ao local do assassinato confirma que a execução foi um grande choque, mas ressalta que os roubos fazem a vizinhança viver em clima de insegurança:
- Só este mês já fiquei sabendo de três assaltos aqui na volta. O pessoal criou um grupo no WhatsApp para avisar quando acontece.
Titular da 10ª Delegacia de Polícia, o delegado Abílio Pereira diz que o número de roubos "ultrapassa os limites do tolerável", e ainda aponta a penalização branda para quem comete esse tipo de crime, como razão para o atual cenário.
- Existe uma população carcerária pingue-pongue. Eles são presos e soltos. Esse que foi morto (Santos) é um exemplo. Nossa delegacia prendeu ele meses atrás, e agora estava na rua de novo - afirma Pereira, que aponta o cercamento da Redenção como um primeiro passo para evitar a presença de delinquentes na região.