O Chico é grande. Espadaúdo. Lá vinha o Chico de dentro do banco. Estava escuro na rua. Eu só via uma silhueta.
Dois minutos antes, eu tinha derrubado a moto do Chico ao dar uma ré no Buggy alugado em Fernando de Noronha. Na hora de manobrar, só ouvi uma batida seca e logo depois outra nem tão seca assim - era a moto se espatifando no chão.
O acidente acoteceu entre a Tapiocaria Babalu, um simpático trailer com cadeiras de plástico na calçada, e a agência do Santander - a mesma que fora assaltada no ano 2000, quando ainda se chamava Banco Real.
Minha família, olhos esbugalhados, temia pela minha integridade física enquanto Chico surgia da escuridão. Eu também.
Passos lentos, ele veio vindo com seu extrato bancário na mão. Quando chegou bem perto, estendeu a mão. Retribuí o gesto e fui logo me explicando. "Desculpe, tá escuro e eu não tô acostumado com o Buggy..." O Chico, roupas e jeito simples, fez aquela cara de quem escuta com atenção. Depois, olhou para a moto.
Havia um pequeno amassado no tanque, única marca visível naquele primeiro momento. Chico passou a mão pela lataria. E eu: "Pode deixar que pago o prejuízo, desculpe, desculpe". E o Chico: "Foi só isso?".
Eu, turista em férias, distraído, causei dano ao patrimônio de um morador da ilha. Era pouco? Se fosse em São Paulo ou em Porto Alegre, a III Guerra Mundial já teria começado.
Mas o Chico é de outro planeta. "Se é só isso, deixa pra lá", disse com toda a calma do mundo. Eu insisti. Dei a ele meu número de celular com DDD e tudo. Pedi que, na luz no dia seguinte, ele examinasse com mais calma a moto, fizesse um diagnóstico preciso e me informasse o valor do estrago. "Anota aí, Chico, por favor." O Chico anotou no celular dele.
Voltei para a pousada aliviado. E com a certeza de que, no outro dia, receberia um telefonema do Chico a quem, de certa forma, eu havia passado um cheque em branco.
É mais uma boa lembrança das férias. Ainda existe no mundo a chance de uma conversa civilizada, a oportunidade de duas pessoas resolverem impasses uma com a outra, sem polícia, nem briga, nem juiz. Ter razão não nos dá o direito à grosseria. Diria o mesmo se ele tivesse me cobrado pelo estrago. Porque ele foi gentil. Escrevo este texto na sexta-feira, dia 7 de agosto. Até agora, nada do Chico. Mas ainda não perdi a esperança.